É preciso dizer que o
que ocorreu comigo não é exceção, é regra. Raros os presos políticos
brasileiros que não sofreram torturas. Muitos, como Schoel Schreiber e Virgílio
Gomes da Silva, morreram na sala de torturas. Outras ficaram surdos, estéreis
ou com outros defeitos físicos. A esperança desses presos coloca-se na Igreja,
única instituição brasileira fora do controle estatal-militar.
Sua missão é defender
e promover a dignidade humana. Onde houver um homem sofrendo, é o Mestre que
sofre. É hora de nossos bispos dizerem um BASTA às torturas e injustiças
promovidas pelo regime, antes que seja tarde. A Igreja não pode se omitir. As
provas das torturas, trazemos no corpo. Se a Igreja não se manifestar contra
essa situação, quem o fará? Ou seria necessário que eu morresse para que alguma
atitude fosse tomada?
Num momento como este,
o silêncio é omissão. Se falar é um risco, é muito mais um testemunho. A Igreja
existe como sinal e sacramento da justiça de Deus no mundo. “Não queremos, irmãos,
que ignoreis a tribulação que nos sobreveio. Fomos maltratados desmedidamente,
além das nossas forças, a ponto de termos perdido a esperança de sairmos com
vida.
Sentíamos dentro de
nós mesmos a sentença de morte: deu-se isso para que saibamos pôr nossa
confiança, não em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos (2 Cor 1, 8 e 9).
Faço esta denúncia e este apelo a fim de que se evite amanhã a triste notícia
de mais um morto pelas torturas.
Parágrafo final do relado de torturas de Frei Tito de Alencar
Lima, divulgado pela primeira vez no jornal alemão “Publik” e que mereceu
prêmio especial de reportagem da revista estadunidense “Look”, em 1970. Texto e
informações retirados do livro “Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de
Carlos Marighella”, de autoria de Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto,
Editora Civilização Brasileira, 4ª Edição, 1982, páginas 239 e 240.
Comentário
E hoje? Quais são as torturas que sofremos? Parece que hoje
os efeitos do sistema em que vivemos entram em nossa pele sem fazer a gente
sentir dor, mas que fazem a gente sofrer muito. São as telenovelas que não
ensinam nada. São os jornais que, a despeito da sua sobrevivência, transmitem
através da notícia e da publicidade modelos de vida supostamente compensadores.
São nossas autoridades públicas, que de públicas não têm nada, pois ensinam
apenas que a livre iniciativa que é uma privada é sempre o melhor remédio.
Não temos consciência do que é público, da valorização do
coletivo. Como Frei Tito, muitas pessoas já morreram vítimas de um sistema que
continua excludente e à mercê de bolsas de valores: as mais de 200 vítimas do
avião da TAM, Sidney Junio Andrade, etc.
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