A importância para a América
Latina da viagem do papa ao Brasil
El País Juan Arias 31/07/201306h01
28.jul.2013 -
"Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para
julgá-la?", afirmou Francisco aos cerca de 70 jornalistas que embarcaram
do Rio de Janeiro a Roma com ele, após a JMJ (Jornada Mundial da Juventude).
"O problema não é ter essa tendência [gay]. Devemos ser como irmãos. O
problema é o lobby dessa tendência, da tendência de pessoas gananciosas: lobby
político, de maçons, tantos lobbies. Esse é o pior problema", afirmou Leia
mais Arte/UOL
Os milhares de
peregrinos que foram ao Rio para se encontrar com o primeiro papa
latino-americano estão voltando para seus países. No Brasil ficou um rastro de
bem-estar deixado pelos sorrisos e a alegria de Francisco, misturados com os de
cerca de 3 milhões de jovens que transformaram Copacabana, a praia mais sensual
do mundo, em um grande "altar de fé e alegre confraternização", como
escreve a imprensa local.
Hoje, depois do benéfico tsunami,
começa-se a analisar as consequências da primeira viagem internacional do
primeiro papa não europeu a seu continente de origem.
JORNALISTAS DO UOL CONTAM SUA
VISÃO DA JORNADA
Nacho Doce/Reuters
Durante oito dias, equipes de
reportagem do UOL Notícias que ficaram imersas na cobertura da Jornada Mundial
da Juventude reuniram impressões e observações das mais diversas.
Foi um período de convívio com os
peregrinos, seguindo de perto a agenda do pontífice e acompanhando as
principais consequências do encontro para o morador do Rio de Janeiro.
Leia as impressões
As primeiras sensações são de que
a viagem com as simples e ao mesmo tempo substanciais mensagens deixadas por
Francisco poderia ter uma importância para todo o continente americano que vai
além da fé e da igreja romana.
E terá para todo o continente que
não é só o que contém proporcionalmente o maior número de cristãos, como se
trata de um pedaço do planeta cheio de paradoxos. Dele vai depender a esperança
de alimentos e água potável do mundo. Dele pode chegar uma mensagem de sangue
jovem cheia de entusiasmo e com vontade de viver sem perder a esperança no
futuro.
Ao mesmo tempo, é um continente
onde as feridas da desigualdade continuam sangrando e onde faltam líderes e
estadistas políticos e sociais capazes de receber e dar vida a essa seiva de um
continente ainda jovem e criativo, com mil potencialidades ainda por
desenvolver.
O chamado de Francisco à
hierarquia eclesiástica latino-americana, pedindo-lhe que deixe seus palácios
para ir ao encontro da periferia excluída do bem-estar e que não tenha medo de
se comprometer com os que continuam sofrendo o peso da exclusão, não deixará de
ter repercussões no mundo político.
Todos os estilos de ser católico
desfilaram na areia do Rio
A dura condenação da
"ideologização do Evangelho" e o apelo premente para privilegiar o
"agora" na evangelização, assim como o incentivo aos jovens para que
saiam à rua para reivindicar seus direitos em nome da fé, podem ter
consequências ainda imprevisíveis no futuro político do continente.
O Brasil foi só uma amostra, mas
aqui todos falam em uma revolução. Neste continente a religiosidade popular, a
mistura de fé e política, continua sendo determinante para seu desenvolvimento
sociológico e até econômico.
Os católicos diminuem, mas suas
perdas não são levadas pelo rio do agnosticismo ou da incredulidade, senão para
outras igrejas cristãs. E o cristianismo está no genoma do continente. No
Brasil se declaram cristãos, entre católicos e evangélicos, mais de 80% da
população. Essa realidade, que não deve ser muito diferente no resto do
continente, é importante para poder medir o peso que pode representar uma
revolução da igreja que privilegie os excluídos.
Uma revolução que assente as
bases de uma laicidade saudável, que respeite todas as crenças e que seja um
estímulo aos jovens, que são o futuro do continente, para que "não se
deixem roubar a esperança", para que lutem a favor de uma sociedade mais
igual e fraterna.
Os políticos que atuam em um
continente no qual a fé cristã continua sendo majoritária não poderão deixar de
levar em conta esse novo vendaval de renovação lançado por um papa que sabe ser
franciscano, fraterno, simples e sorridente na rua, e jesuíta severo, exigente,
quando se encerra sozinho com a hierarquia da igreja.
No Evangelho de Marcos, Natanael
pergunta: "E de Nazaré pode sair algo bom?" Nazaré era no tempo de
Jesus a periferia da Palestina e nem aparecia nos mapas da época.
Da costela do judaísmo nasceu,
entretanto, uma crença religiosa, a cristã, que com todos os vendavais sofridos
ao longo da história continua de pé e viva depois de mais de 2.000 anos e com
uma capacidade de se refazer de suas culpas que muitas instituições políticas
invejariam.
Hoje os países de longa história
como a Europa poderiam também se perguntar como novos Natanaéis: "E algo
bom pode sair da América Latina e da mão de um papa latino-americano?" O
tempo dirá.
fonte: www.uol.com.br