“Francisco é o cara que abre
portas”, diz professor sobre perfil jesuíta do papa
Por Carolina Garcia - iG São
Paulo | 20/07/2013 06:00
Bernardo Filho diz que pontífice
terá diálogo atraente aos jovens e buscará quebrar a imagem engessada da Igreja
As decisões e as práticas
humildes do papa Francisco chamam a atenção desde quando foi escolhido para
assumir o mais alto posto de liderança da Igreja Católica, em março deste ano.
E isso desperta o interesse e voltam os olhares da imprensa internacional para
o Brasil, local que receberá o pontífice em sua 1º viagem ao exterior, nesta
segunda-feira (22). Com a missão de reformar o Vaticano, Francisco vem ao País
com diálogo atraente aos jovens e disposto a quebrar a imagem engessada da
Igreja.
Franciscanos arrumam a sala que
receberá o papa Francisco, no hospital São Francisco de Assis, no Rio de Janeiro.
Foto: RICARDO MORAES/REUTERS/Newscom1/27
“Francisco é o cara que abre as
portas”, diz o professor e historiador Roberto Barreiro Filho, de 55 anos. Para
ele, que estuda a história e transformações do Vaticano há mais de 20 anos, a
Igreja Católica oficializará sua nova postura no Brasil com a Jornada Mundial
da Juventude (JMJ), encontro com a comunidade jovem católica entre os dias 23 e
28 deste mês no Rio de Janeiro. “Como já dispensou o papamóvel blindado, não me
surpreenderia se ele fosse para a galera durante a entrada oficial. Ele é o
povo.”
O professor acredita ainda que a
Igreja passa por um momento necessário de revisão e que a saída de Bento 16
ocorreu como uma resposta para como a instituição era conduzida. “O cenário de
escândalos fortaleceu a parcela progressista de cardeais [para eleger
Francisco] e foi fundamental para essa linha de pensamento voltar ao poder com
força. Essa linha já foi defendida por outros papas, porém permaneceu abafada.”
Historiador Roberto Barreiro Filho. Estuda Vaticano e Igreja
Católica há mais de 20 anos Leia trechos da entrevista:
iG: Como definir a transformação
da Igreja Católica?
Barreiro Filho : A mudança na
Igreja Católica é visível e ela passa por um período de revisão. A saída do
Bento 16 foi uma resposta para a condução da Igreja. O que aconteceu, ao
contrário do que muitos falam, não é nada inédito, já foi visto ao menos dez vezes
na história da Igreja. Os casos de má administração, pedofilia e corrupção
levaram o Bento 16 a sair da governança do país Vaticano. A resposta a essa
revisão foi a postura daqueles que - perdida a eleições do Bento 16 - se
articularam, reuniram e voltaram com força para o poder. Essa linha de que a
Igreja precisa estar voltada ao seu povo foi defendida pelos papas Paulo 6º,
João 23 e incialmente por João Paulo 2º.
iG: Qual a base histórica da
Companhia de Jesus, ordem religiosa do papa Francisco?
BF: Para entender isso,
precisamos citar Ignácio de Loyola [o fundador da Companhia, em 1534] e o
movimento de criação dos jesuítas. Com o Concílio de Trento, em 1545, ocorreu
uma das mais importantes reformas da Igreja. A Igreja precisou dar uma reposta ao
crescimento do mundo protestante na Europa. Desse Concílio, tivemos a adoração
de Nossa Senhora e a criação dos jesuítas. Loyola recuperou uma ideia que
estava no passado de São Agostinho: educar e fazer com que a catequese chegasse
a todos. Os jesuítas viraram a maior congregação religiosa desse período.
Fantasticamente poderosos. Eles foram até o Japão e catequizaram a América, do
México ao Ushuaia. Eles foram os geradores de uma cultura católica mundial.
iG: E como era a convivência
entre jesuítas e a igreja?
BF: A Companhia foi vítima de
vários conflitos com a Igreja e investigada pela Inquisição. O primeiro momento
ocorreu quando Loyola criou o caderno de Exercícios Espirituais. Esse feito
iria resultar seu primeiro julgamento. Foi classificado como herege e se
defendeu dizendo que estava apenas executando sua fé. Depois começa propagar
seu caderno, enfrenta um segundo julgamento. Próximo a 1450, ele segue ao
Vaticano para exigir o direito de pregar. Até que consegue fundar a Companhia
em 1534.
iG: Não é curioso ver um método que foi
perseguido ser visto como a esperança da instituição?
BF: Esse é ponto. A Companhia foi
poderosa porque propagava a ideia católica no mundo e sofreu repressões porque
seu poder chegou a ser maior do que o Vaticano. Tanto é que tem a história do
“papa negro” – apelido que surgiu pelas vestes pretas dos jesuítas. Em um
momento da história, eles eram mais importantes que o próprio papa. Sempre
houve esse “ciuminho” com os jesuítas. Houve perseguição e por isso também eles
nunca foram papa. Ter hoje um líder jesuíta é um feito completamente inusitado.
iG: Quais elementos jesuítas papa
Francisco está empregando?
BF: O principal é o de “levar a
ideia da fé aonde ninguém levou”. Esse é o lema dos jesuítas. Todas as ações
dele após a eleição surpreenderam a especialistas e fiéis. Como por exemplo, a
transparência do Vaticano, a aproximação da comunhão e libertação, esse despojar
com as ideias de ostentação e vetar blindagem do papamóvel. Não está chegado ao
Brasil como chefe de Estado, mas como padre. Passa a imagem de que não é papa,
mas está papa. São atitudes revolucionárias.
iG: Recusar papamóvel blindado
não oferece riscos ao papa?
BF: Mas Pedro, Paulo e Jesus
fizeram isso [a aproximação com o povo]. Mais um sinal que o objetivo de
Francisco é resgatar a essência da Igreja. Ele é um cara que abre as portas.
Uma ameaça [de atentado ou fanatismo] é consequência do seu ato de fé e do seu
caminhar. Na Jornada Mundial da Juventude, sua segurança deve ser feita pelo
próprio povo.
iG: Quais são os maiores desafios
internos de Francisco?
BF: Faxina e limpeza da imagem do
Vaticano. Ele mesmo adotou esse nome para assumir a inspiração em Assis, autor
da 1ª reforma da Igreja. Assis mostrou que a humildade do lado pobre era a
grande reforma da Igreja. Quando um jesuíta assume o nome de Francisco é dizer
que ele vai levar a fé aos mais humildes. E vai mostrar isso a partir dele, sem
luxos. Com a escolha do nome, o papa mostrou ao mundo para o que veio.
Mas esse mudança não virá a curto
prazo. Uma vez um monsenhor me disse que a Igreja é secular. “Um dia de igreja
é um século”, dizia. É complicado porque envolve uma hierarquia mundial de papa
a seminaristas. No passado, a instituição levou 300 anos para entender que
precisava “reformar uma coisinha”.
iG: Essas ações de combate à
corrupção e pedofilia refletem o jesuíta ou o próprio Francisco?
BF: Acredito que (refletem) o
próprio ex-cardeal argetino. Escolheram um cara que é o oposto completo do que
estava na Igreja até agora. Mas não podemos esperar que ele seja visto usando
jeans amanhã ou que apoie o aborto, o casamento de padres e a permissão do uso
da camisinha.
iG: Qual a importância da JMJ no
Brasil durante esse período da Igreja?
BF: É uma grata coincidência para
a instituição. A primeira grande comprovação dessa transformação ocorrerá aqui.
A JMJ pode se tornar o “Sermão da Montanha” de Francisco. A mudança não será
feita em um Concílio, mas será oficializada diante de jovens, os responsáveis
pela renovação da Igreja. Eu não conheço melhor marketing.
iG: Como lidar com a possiblidade
de novas manifestações?
BF: Com naturalidade já que é o
momento que o País está enfrentando. Existe a chance de novas manifestações
sim. Mas isso não deve ferir a JMJ, mas reafirmar o caráter ativo dos jovens de
hoje, que buscam justiça pelo lado pobre e humilde do povo.
iG: O que os fiéis podem esperar
desse encontro?
BF: Podem esperar o contato de um
papa que é o povo e não precisa de barreiras. Esses católicos podem presenciar
Francisco descer do papamóvel e ir para a galera. E, se ele conseguir fazer
isso, ele compra aquela multidão. Como fez isso a vida inteira na Argentina,
essa ação não me surpreenderia. Também não me assustaria se ele sentasse no
degrau do altar durante a pregação, assim como os primeiros representantes da
fé.
fonte www.ig.com.br
colaboração: Jose Benedito schumann Cunha
Nenhum comentário:
Postar um comentário