CULTURA E SOCIEDADE
"Se o sistema tem culpa é
porque colocamos todos os nossos meios nas mãos do sistema"
Conversa com Pe. Hélio Luciano a
respeito das ondas de protestos que invadem o Brasil - Parte II
Por Thácio Lincon Soares de
Siqueira
BRASíLIA, 25 de Junho de 2013
(Zenit.org) - Publicamos a seguir a segunda parte da conversa com o Pe. Hélio
Luciano sobre os motivos dessas ondas de protestos que invadem o país.
Nessa entrevista Pe. Hélio
Luciano discorre sobre a necessidade de não só criticar o sistema - que é muito
fácil - mas de também comprometer-se na política, na busca do bem comum, não
abandonando a nação nas mãos das pessoas más.
A primeira parte pode ser lida
clicando aqui.
***
ZENIT: Diante de tanta pobreza,
injustiça, impostos, roubalheiras, quais são os princípios cristãos que podem
reger uma verdadeira "revolução"?
Pe. Hélio Luciano: De fato são
muitos os problemas atuais e são questões que exigem uma solução. Se o sistema
tem culpa é porque também nós colocamos todos os nossos meios nas mãos do
sistema. Creio que existem dois modos muito concretos para mudar esta realidade
– a participação política e o correto emprego do princípio de subsidiariedade.
Em primeiro lugar, não teremos
mudança sem uma real participação política de pessoas realmente interessadas no
bem comum da sociedade. Se o mal é por definição a ausência de bem, o dia que
as pessoas de bem desistirem da política teremos uma sistema perverso. A
sociedade e o sistema existem enquanto conjunto de pessoas concretas – não há
um ente, um ser, social, ou um sistema como uma entidade, mas sim pessoas que
compõe um sistema e uma sociedade. Um sacerdote me dizia que há cinco anos a
CNBB está chamando pessoas para pensarem em uma proposta de reforma política e
conseguem poucas pessoas para participarem. Será que é porque exige esforço,
estudo, comprometimento? É mais fácil sair na rua e protestar do que
comprometer-se com um projeto real de mudança? Precisamos destes milhões de
pessoas revoltadas com o sistema agora comprometidas com realizar a mudança.
Não se pode simplesmente colocar a culpa no governo, no sistema, na sociedade –
é necessário mudar a sociedade com estes princípios claros de honestidade e de
pensar no bem comum.
Um princípio cristão muito
esquecido – claramente explicado no “Compêndio de Doutrina Social da Igreja” –
é o princípio da subsidiariedade. Tal princípio afirma que todas as sociedades
de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda («subsidium») — e portanto
de apoio, promoção e incremento — em relação às menores. Isso significa que não
é a pessoa individual, a família, a escola, a comunidade, etc. que deve estar a
serviço do Estado, mas justamente o contrário. Significa também que não é o
Estado o responsável por entregar tudo a estas sociedades menores, mas sim de
colaborar naquelas necessidades que estas pequenas sociedades e indivíduos não
tenham capacidade de fazer por si mesmos. Sendo assim, é hora de nós,
indivíduos de bem, nos unamos para construir a nossa sociedade. Façamos
associações de famílias que construam o bem de família e que exijam do Estado
uma ajuda para realizar este bem. Façamos associações de moradores que procurem
o bem para suas comunidades, exigindo do Estado a ajuda somente naquilo que não
somos capazes de alcançar com nossas próprias forças. Criemos escolas de
qualidade para nossos filhos, que transmitam valores concretos, e peçamos do
Estado ajuda para que possamos cumprir, como pais, nosso papel primário de
educação de nossos próprios filhos. E não permitamos que a corrupção, o
egoísmo, o interesse próprio fiquem por cima do bem comum.
Suponho que existam outras
alternativas, mas nenhuma será pouco árdua, nenhuma será imediata. Para sermos
respeitados com a dignidade própria de pessoas que somos, será necessário que
também nós atuemos como pessoas, comprometendo-nos com o bem de todos.
ZENIT: A Igreja, o Papa, o que
têm a dizer diante desses protestos?
Pe. Hélio Luciano: A Igreja é
prudente antes de tomar partido em algum acontecimento histórico concreto. E
não é uma prudência fruto do medo, mas fruto da responsabilidade que tem como
Mãe e mestra – não pode dizer que está bem ou mal aquilo que nós mesmos ainda
desconhecemos.
Por outro lado, a Doutrina Social
da Igreja – que norteia todos os princípios de ação social – deixa claro que as
manifestações por melhoras são lícitas, mas também que é necessário trabalhar,
apresentar propostas, pensar. Não basta criticar – isso qualquer um é capaz,
sem muito esforço, de fazer – é necessário também indicar caminhos de mudança,
sempre norteados pelo bem comum da sociedade.
ZENIT: É moralmente lícito
destruir, depredar, para poder promover uma revolução?
Pe. Hélio Luciano: Sinceramente
não creio que o movimento atual tenha como ideia de fundo promover o vandalismo
como forma de pressão para conseguir seus objetivos. De fato, dentro de uma
sociedade democrática, que permite o diálogo e o direito de expressão, seria
totalmente ilícito utilizar-se de atos de vandalismo como modo de pressão.
Por outro lado, parece claro que
dentro de um protesto tão amplo e tão heterogêneo – no qual nem mesmo existe um
concreto conjunto de reivindicações – haja grupos que não estão preocupados com
a ordem. Também não parece que utilizem do vandalismo para obter resultados,
mas simplesmente desprezam a ordem. Pelo que até agora se percebe, estes não
representam a maioria das pessoas que reivindicam mudanças sociais através de
manifestações pacíficas pelas ruas das cidades.
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