Padre comenta aspectos fortes da
Teologia de Bento XVI
André Luiz
Da Redação
ArquivoPadre Paulo pertence ao
clero da Arquidiocese de Cuiabá; é autor de diversos livros e apresenta
semanalmente o programa “Oitavo Dia”, pela TV CN.
Bento XVI é um dos grandes
teólogos que chegaram à Sé de Pedro; um dos mais importantes pensadores da
Igreja e do mundo nos últimos dois séculos. Doutorou-se em Teologia com a tese
"Povo e Casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho" e
lecionou a mesma ciência na Universidade de Munique.
Em 1977, recebeu a sagração
episcopal e escolheu como tema "Colaborador da Verdade". Em 1981, foi
nomeado, pelo então Papa João Paulo II, como Prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé. Publicou diversos livros e artigos. Porém, a contribuição
literária mais significativa que ofereceu à Igreja foi sua participação na
elaboração do Novo Catecismo da Igreja Católica. Ele foi Presidente da Comissão
encarregada da preparação do Catecismo apresentando ao Santo Padre a
finalização do trabalho.
Padre Paulo Ricardo Azevedo
Júnior, mestre em direito canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana
(Roma) e membro do Conselho Internacional de Catequese (Coincat) da Santa Sé,
descreve alguns aspectos sobre o pensamento de Joseph Ratzinger acerca da fé,
da razão e do mundo relativizado.
O padre também define o motivo
que torna Bento XVI um dos personagens mais importantes na Teologia Católica e
apresenta, segundo o pensamento do Papa, um caminho para lidar com o problema
do relativismo.
noticias.cancaonova.com - O que
faz Ratzinger ser considerado o grande teólogo dos tempos atuais?
Padre Paulo Ricardo - Por causa
da sua fé extraordinária e da sua inteligência extraordinária. Ratzinger reúne
as duas coisas. Isso o faz ser um grande homem: alguém de grande fé e
fidelidade à fé da Igreja e um homem de grande inteligência espiritual. Por
exemplo, as homilias que ele produz. Aquelas homilias são frutos de reflexões
pessoais, ninguém as fez para ele, mas ele mesmo as escreveu. Lemos as páginas
por ele escrita e vemos uma inteligência extraordinária que aquece o coração e
faz você se deter diante de um parágrafo e dizer: eu nunca pensei isso, mas é
nisso que eu creio. Isso o faz ser um grande teólogo.
noticias.cancaonova.com - Qual o
discurso de Ratzinger acerca da fé e seu relacionamento com a ciência?
Padre Paulo Ricardo - O convívio
mútuo em que a fé e razão caminham juntas é algo que Joseph Ratzinger sempre
chamou a atenção. Ele faz questão de lembrar que existe um compromisso
fundamental do cristianismo com a racionalidade desde o seu início. Por quê?
Assim como no Antigo Testamento, os profetas tiveram que desmitificar os deuses
falsos através da pregação profética, também no mundo grego, os filósofos
desmistificaram os deuses pagãos através da crítica filosófica. Então,
Ratzinger sempre viu que existe um paralelo entre aquilo que os profetas
fizeram no Antigo Testamento e aquilo que os filósofos fizeram na Grécia. É a
mesma coisa, através de instrumentos diferentes. Ambas serviram para preparar o
Evangelho.
Fé e razão caminharam juntas no
início nos primeiros séculos do cristianismo. A ruptura se deu no final da
Idade Média e início da Idade Moderna, com o protestantismo. Na verdade, foi
Lutero quem dividiu fé e razão. Quando Lutero rejeitou a Teologia Católica ele,
de alguma forma, decretou que a fé era algo irracional, era puro sentimento e
que não havia nenhuma racionalidade nela mesma. E foi a partir da Revolução
Protestante que se deu esse estranhamento entre fé e razão e que foi crescendo
cada vez mais, ao ponto de chegar à situação que temos hoje. Mas, nós católicos
tivemos uma longa experiência, de mais de mil anos, de convívio harmonioso
entre fé e razão.
Ratzinger crê perfeitamente que
este convívio pode continuar. Tanto que, no famoso discurso que fez em
Regensburg, ele convidou as religiões a se sentarem à mesa para que pudessem
discutir racionalmente uma forma de conviver pacífica, sem que um tivesse que
destruir o outro. Ratzinger sempre insistiu muito no fato de que a fé sem a
razão fica cega e a razão sem a fé enlouquece. Uma precisa da outra. São duas
asas; tirando uma delas alguma coisa de muito ruim pode acontecer.
noticias.cancaonova.com - Como
entender o mundo relativista sob a ótica de Joseph Ratzinger?
Padre Paulo Ricardo - Quando
falamos de relativismo, falamos de idolatria, ou seja, é o homem que tomou o
lugar de Deus. Uma coisa é indiscutível: quem faz a verdade é Deus. Ele é o
criador e faz aquilo que é verdade. Quando o homem diz: a verdade quem faz sou
eu, ele está se colocando no lugar de Deus. Então, o que temos não é um mundo
de incrédulos, mas um mundo de idólatras. Ou seja, pessoas que não acreditam em
Deus por que elas se colocaram no lugar de Deus. Elas dizem: a verdade é aquilo
que eu decreto. Deus é uma realidade que não deixa minha vida intacta. Não
adianta dizer: creio em Deus, mas minha vida não muda. Não. Se Deus existe
minha vida muda pelo avesso. Se Ele existe, Ele é o meu Senhor e existo para
Ele. É a revolta do homem que diz: eu não posso suportar que exista um Deus.
Essa voz do homem moderno
relativista foi expressa por um filósofo ateu que diz: “Meus irmãos, vou
falar-vos com franqueza: se os deuses existissem como é que eu poderia suportar
não ser um deus? Logo, os deuses não existem!” Homem quer ser deus, mas como ele
não consegue ser deus, decreta: ninguém é deus. Com isso nós voltamos ao
Politeísmo, onde existem vários deuses. Neste caso, cada homem quer ser deus no
lugar de Deus. Neste sentido, precisamos mais uma vez daquela ação dos profetas
e dos filósofos, precisamos desmascarar por meio da fé e da razão aqueles
falsos deuses que querem estar no lugar do Deus Verdadeiro.
noticias.cancaonova.com - Qual o
caminho proposto pelo Papa para lidar com o relativismo do homem?
Padre Paulo Ricardo - O problema,
na verdade, não é de fé e nem de racionalidade, é um problema de moral, de
conversão. É o homem que deve retomar ao seu lugar de criatura e deve servir ao
seu Senhor, deve descer do trono. O nosso mundo não vai se resolver se tiver
que escolher entre a fé e a razão ou se tivesse que lutar por um absolutismo ou
relativismo. Na verdade, o problema é que nós vivemos em um mundo sem coração,
ou seja, um mundo que não quer amar, não quer realizar aquele processo doloroso
que é tirar a si mesmo do centro para amar o outro. O homem se coloca no lugar
de Deus, no centro de tudo, por que não quer amar, não quer mudar seu coração.
Neste sentido nós encontramos a
teologia de Joseph Ratzinger. Ratzinger é um agostiniano, ou seja, ele foi
fortemente influenciado pela teologia de Santo Agostinho. E para Santo
Agostinho as coisas se resolvem sempre na realidade do amor. O amor é a
alavanca que tudo move. Então, se nós quisermos resolver o nosso problema de
fé, razão e ditadura do relativismo o que precisamos é nos reencontrar com o
amor de Cristo. E isto Bento XVI proclamou desde o início de seu pontificado
quando lançou a encíclica “Deus caritas est”. Como bom discípulo de Santo
Agostinho, ele sabe muito bem que tudo vai encontrar seu eixo no amor.
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