“A História se repete. A primeira vez como tragédia [1989] e a segunda
como farsa.” Karl Marx (1818-1883)
Dois presidentes e um mesmo destino: Fernando Collor de Mello foi cassado porque confiscou a poupança de milhões de brasileiros. E Dilma Roussef foi pedalar fiscalmente para salvar o agronegócio de Kátia Abreu e o bolsa-família, e deu no que deu.
Só falta enquadrar Jair Messias Bolsonaro. Já foi enquadrado. Recebeu aumento no soldo em 1986 e hoje é deputado federal.
ENQUANTO ISSO, NO PALÁCIO DO JABURU - “É o terceiro mês que recebo meu pagamento em moedas. E essa é a terceira vez que o senhor as deixa cair no chão!”, observa a bela, recatada e do lar. (Charge de 1940 do Amigo da Onça)
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O marxista dever ir ao parlamento para tirar o proletariado
de lá. O reformismo tem levado o proletariado para o parlamento a fim de
institucionalizá-lo.
(Casa da América Latina de
Belo Horizonte-MG)
Ariano Suassuna: a luta do Brasil real contra o caricato Brasil oficial
Há quase um ano
exato, no dia oito de junho, Ariano Suassuna abriu a Jornada Cultural de Santo
André, no Estado de São Paulo, com uma de suas conferências magistrais.
Em homenagem ao
grande escritor e grande homem da cultura nacional e do Brasil - no caso de
Ariano essas palavras não parecem exagero, aliás, ele é um dos raros a quem
isso não acontece -, condensamos nesta página a sua intervenção.
Ariano foi sempre
um defensor do Brasil real contra o Brasil oficial, na frase que ele cita de
Machado de Assis (o texto foi publicado no “Diário do Rio de Janeiro”, edição
de 29 de dezembro de 1861, e referia-se originalmente a uma discussão de um “crédito
suplementar” aberto pelo Ministério da Fazenda da época: “Aqui hão de me
perdoar. De um ato do nosso Governo só a China poderá tirar lição. Não é
desprezo pelo que é nosso, não é desdém pelo meu país. O país real, esse é bom,
revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco. A
sátira de Swift nas suas engenhosas viagens cabe-nos perfeitamente. No que
respeita à política nada temos a invejar ao reino de Lilipute”).
Aqui, há um ano,
está ele em um de seus melhores momentos.
C. L.
ARIANO SUASSUNA
Perdi meu pai aos 3 anos de idade,
assassinado. Fui muito marcado por isso. Não sei se por causa disso, as
primeiras obras que escrevi eram todas trágicas.
Meus irmãos, que eram muito
brincalhões, diziam que quando eu era jovem eu era um assassino terrível:
quando não sabia o que fazer com um personagem eu matava. Desde os 11 anos eu
pretendia ser escritor, o primeiro conto que escrevi, tinha 12 anos.
Em 1932, todos sabem, São Paulo se
rebelou contra o Brasil, contra o governo na época. E Getúlio Vargas, que é
quem estava no governo, recrutou os políticos no Brasil inteiro para ajudar a
sufocar a rebelião em São Paulo.
Um familiar da polícia da Paraíba veio
pra cá e, na ausência dele, sua mulher arrumou um amante. Quando ele voltou,
trazendo presentes para a mulher (...), já em Campina Grande soube que a mulher
estava traindo ele.
Então ele foi para casa, com a mala
cheia de presentes (...), passou a noite com ela, de manhã pediu para ela
passar um café, e quando ela estava terminando de passar o café ele atirou na
nuca dela.
Minha mãe proibiu que a gente fosse
ver, mas eu fui, escondido (...). Pois bem, esse foi o primeiro fato terrível depois
da morte do meu pai. Meu primeiro conto, aos 12 anos, foi sobre esse fato. Só
que detalhando o que meus irmãos diziam eu acrescentei à tragédia. Porque fiz
ele matar a mulher, matar o amante e se suicidar.
(...) eu só escrevia tragédia, era
terrível... Até que encontrei aquela figura ali (aponta para a mulher ao seu
lado). Eu era todo travado por dentro, foi ela quem me desatou para a alegria e
a beleza do mundo. Foi ela... mas mesmo assim, as primeiras impressões são tão
fortes, que até as minhas peças mais cômicas são terríveis.
(...) O “Alto da Compadecida” é uma
peça cômica, a gente passa o tempo todo rindo, mas morre todo mundo. Só quem
não morre é Chico. Eu tenho uma simpatia tão grande por Chico, que fiz ele não
morrer.
Outro dia me perguntaram: mas você
simpatiza mais com Chico no que com João Grilo? Eu disse, muito mais. Porque
João Grilo é um vitorioso, é um astucioso. Coisa que eu não sou.
Então, eu admiro é Chico, com aquelas
mentiras dele... eu sou um mentiroso. Todo escritor é um mentiroso. O que é um
mentiroso? Um sujeito que não se satisfaz com o universo que lhe consta e cria
outro. O escritor é a mesma coisa. A gente acha que o universo comum não basta,
e inventa outro.
Escrevi uma peça, a “Farsa da Boa
Preguiça”, que é teatro em verso e tem um personagem que diz: “Há uma preguiça
com asas,/ outra com chifres e rabo./ Há uma preguiça de Deus/ e outra preguiça
do Diabo”.
O mesmo digo eu da mentira: “Há uma
mentira com asas,/ outra com chifres e rabo./ Há uma mentira com asas,/ outra
mentira do Diabo”. Não é a mentira do diabo não, que eu gosto, é a mentira de
Deus. A mentira para aumentar a alegria do mundo, e a beleza do mundo.
O “Alto da Compadecida” mesmo é uma
enorme mentira. Se você pegasse um cangaceiro, de verdade, você fosse com
aquelas conversas... aquela gaitinha do João Grilo (...). Só um cangaceiro
criado por um grande mentiroso que é Ariano Suassuna... porque um cangaceiro de
verdade dava um tiro nas caixas do sujeito, que ele passava o resto da vida
morrendo. (...)
Eu estou cultivando um mentiroso agora,
lá do Recife, ele é ótimo. Ele disse que o pai dele é o maior produtor de mel
de abelha do estado, porque conseguiu criar um mestiço de abelha com vagalume.
E os bichos trabalham de dia e de noite. Que maravilha! Não é verdade não, mais
devia ser. Aí o mentiroso vai e inventa. Faz muito bem. (...)
Desde que eu vi o circo em Taperoá,
quando era menino, fiquei sonhando em ter um circo e nesse circo, além de dono
eu seria o palhaço, que não ia abrir mão disso, que não sou besta.
Quando vi o palhaço nesse circo, o
palhaço Gregório, tive tanta vibração com ele, que quando tomei posse na
Academia Brasileira de Letras fiz referência a ele como uma das maiores
influências da minha formação.
Essas pedras têm um significado para
mim que vocês nem imaginam. Eu tenho tanto encanto por pedras, que meu romance
se chama “A Pedra do Reino”.
Todas essas pedras me foram dadas por
minha mulher. A gente começou a namorar em 1947, em 1948 ela me deu a primeira,
foi essa aqui... ela encontrou nas margens do rio São Francisco.
O rio São Francisco eu considero muito
importante. Eu me baseio na frase de um grande brasileiro, que foi meu amigo,
de quem eu gostava muito, que se chamava Alceu Amoroso Lima. Foi um dos maiores
críticos literários que o Brasil já teve. E ele escreveu uma frase - primeiro
ele me disse - depois ele publicou. Ele disse: “Do Nordeste para Minas corre um
eixo, que não por acaso, segue o curso do rio São Francisco. O rio da unidade
nacional. A este eixo o Brasil tem que voltar de vez em quando, se não quiser
se esquecer de que é Brasil”.
Vejam, essa frase é mais importante
ainda, porque ele, como vocês, não era mineiro, nem nordestino. Era um grande
brasileiro nascido e criado no Rio de Janeiro.
Pois bem, pois ele, como grande
brasileiro que era, teve a grandeza de reconhecer a importância desse eixo
cultural. (...) Em 1998 eu escrevi um artigo dizendo que, já que ele, que não
era nordestino nem mineiro, tinha dito essa frase, nós nordestinos, temos a
obrigação de dizer que esse eixo não se esgota não. Porque se prolonga pro sul
até o Rio Grande e vai até o Amazonas. Porque o que mais me encanta no Brasil é
essa unidade na diversidade.
Tenho tanta preocupação com isso, que
tenho uma criação de cabras no sertão da Paraíba, e crio quatro cores de
cabras. Vermelhas, para homenagear os índios, primeira vertente da nossa
cultura. Brancas, para homenagear os portugueses. Pretas, para homenagear os
negros, e azuis, para os que vieram depois, italianos, japoneses, etc, etc...
Fui convidado uma vez para dar uma aula
em Curitiba, no Paraná. E um amigo meu, que é casado com uma paranaense, veio
me dizer: “Ariano, você não vá com as suas conversas de sempre lá no Paraná não,
por que lá não é Brasil não”. Mentira, conversa dele. É do mesmo jeito. Olhe
que coisa mais linda. Quando cheguei lá, para minha aula de noite, eles sabendo
que sou pernambucano, apresentaram um grupo de jovens, jovens de todo tipo, que
cantaram um conto da Paraíba e um maracatu de Pernambuco. Veja que gesto mais
lindo.
Na hora que desci no aeroporto, a
mocinha que foi me receber me perguntou, “fez boa viagem”. E eu disse: minha
filha, você vai me desculpar, mas não existe viagem de avião boa. Eu só conheço
dois tipos de viagem de avião, as tediosas e as fatais. É uma coisa tão ruim,
que a gente reza pra ser tediosa. (...)
Machado de Assis dizia que no Brasil existem dois países, o oficial e o
real. Ele dizia, “o país real é bom, revela os melhores instintos. Mas o país
oficial é caricato e burlesco”.
Infelizmente, todos nós aqui somo
nascidos, criados, formados e deformados, pelo Brasil oficial. A gente tem que
fazer um esforço... Por isso, em uma das campanhas que eu apoiei, do nosso
presidente Lula, eu dizia que o Brasil tinha que ficar atento a esse fato.
Porque pela primeira vez em nossa história, nós íamos ter um presidente não
egresso do país oficial e sim do país real.
O grande poeta que contou a história de
Canudos...
Porque o que aconteceu em Canudos. Lá, o Brasil real ergueu a cabeça e,
nós, do Brasil oficial, fomos lá e cortamos essa cabeça.
O grande poeta foi Euclides da Cunha,
no livro “Os Sertões”. Eu vivo dizendo, quem não entender Canudos, não entende
o Brasil. Porque ali pela primeira vez o Brasil real tentou se organizar, não
da maneira que diziam a ele como ele era. Tentou se organizar de maneira política,
econômica, social... aí o país oficial foi lá e cortou a cabeça na pessoa de
Antonio Conselheiro. Ele já tinha morrido de um estilhaço de granada... Eram
cinco mil homens contra quatro, no fim. Um velho, um adulto e duas crianças,
que tinham escapado. Diante de quem, como dizia Euclides da Cunha, rugiam as
baionetas de cinco mil soldados...
Foi um exemplo único na história, não
sobrou ninguém. Fizeram isso. Nós fizemos isso. Então, nós, que comemos duas
vezes por dia, que temos salário no fim do mês, nós que temos direito a uma
vida digna, temos obrigação moral de olhar para esse povo...
É isso que quero fazer nessa missão. Já
disse missão três vezes... mas é que botei na cabeça de uns tempos pra cá que o
povo tinha me encarregado disso, de chamar a atenção para o povo do Brasil
real, a cultura do Brasil real, o futuro do Brasil.
Fonte: Hora do Povo
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