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"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

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domingo, 21 de abril de 2019

A Semana Santa e algumas tradições

POR Mara Narciso, médica-endocrinologista e jornalista


Os feriados da Semana Santa foram reduzidos para apenas um dia: a sexta-feira. Não se usa mais a expressão você está com cara de Sexta-feira da Paixão. Crianças nascidas nesse dia não mais recebem o complemento “da Paixão”, como aquelas de outrora: Antônio da Paixão. A simplicidade e a inocência sumiram.

Alcides Alves da Cruz, meu pai, era um total incrédulo. Perdeu a fé, quando seu amigo, professor e confessor, um padre do Colégio São João, em Januária, onde ele era interno, fugiu com uma mulher. Na década de 1940, a Sexta-feira da Paixão era o dia do não acontecimento. Nada podia ser feito. Não era permitido rir, cantar, ouvir rádio, trabalhar, estudar, e não tinha missa. Só era permitido jejuar e rezar. Quem vendesse qualquer coisa nesse dia, seria amaldiçoado e visto como um traidor, capaz de entregar Jesus por 30 dinheiros.

Milena Narciso Cruz, minha mãe, contava que, na Sexta-feira Santa não podia varrer a casa, nem pentear os cabelos. Tudo parava naquele dia, e quem comesse carne seria excomungado, indo direto para o Inferno. O jejum era obrigatório, como forma de penitência. Minha mãe almoçava sem carne e só bebia água no restante do dia, até o Sábado da Aleluia. Como devota, ficava compenetrada e fazia orações às 15 horas, hora da morte de Cristo.

Quando eu era menina, os livros traziam histórias de pessoas que, tinham suas bocas lavadas em sangue, caso ousassem comer carne naquele dia santo. Alguns desses conceitos eram reafirmados no colégio de freiras e de padres onde estudei por 10 e por três anos, respectivamente. Conheço a Via Sacra e outras tradições. Na Sexta-feira Santa, todos ficavam introspectivos, e uma tristeza profunda se abatia sobre o mundo.  Havia a Procissão do Encontro, que acontecia entre homens que saíam da Igreja Matriz levando o Senhor Morto, até a Catedral, de onde saíam mulheres levando Nossa Senhora, coberta de veludo roxo da cabeça aos pés, encarnando a desolação de uma mãe que perdeu Seu Filho.

Devotos abdicavam-se, durante a Quaresma - os 40 dias após o Carnaval até a Páscoa -, de utilizar carne, doce e bebida alcoólica em sacrifício. Muitos jejuavam na quarta e sexta-feira de todo o período. Na década de 1970, nada abria no comércio, assim, quem fumava estocava cigarro. Tempos depois, vendedores de comida passaram a abrir parcialmente.

Na Semana Santa de 1978, fomos passear em Brasília-DF, e lá, quando saímos para almoçar, encontramos uma churrascaria. Para meu horror, estavam vendendo suculentos espetos de carne. Entrei no recinto, sem acreditar no que via. Naquele dia comemos pizza de atum.

Isso não abalou a minha fé, que já não existia há muito tempo. Faço essa pontuação não para desacatar quem quer que seja, mas para mostrar como os hábitos mudaram e os temores de antigamente não existem mais. Minhas atitudes de verdadeira cristã não são incoerentes, pois refletem meu íntimo e a prática do bem em todas as datas.

Há poucos dias, alguém me perguntou sobre crenças, e ao saber da minha falta de fé, de imediato passou a ler textos religiosos no celular, afirmando, categoricamente, que não queria me influenciar, mas que se eu ficasse uma semana na companhia dela, me converteria. Argumentei: Nem as maravilhas do Céu nem as danações do Inferno mexem comigo.

Hoje o comércio de alimentos acontece normalmente, as pessoas comem doces, bebem bebida alcoólica, namoram, passeiam, muitos comem carne (meu filho come), e até festas pagãs acontecem nesse Dia Santo. Mas uma minoria penitente segue a tradição e atravessa a cidade levando santos no andor, embalados em cantorias, iluminando o percurso com velas acesas em procissão. Depois, vêm o Sábado de Aleluia com a Malhação de Judas (rara comemoração) e o Domingo de Páscoa, que é a Ressurreição.

Para pacificar espíritos e povos é preciso respeito. Bastante respeito, um produto que anda escasso em profusão.

Domingo, 21 de abril de 2019

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