Mara Narciso
médica endocrinologista e jornalista
Karla
Celene Campos abre as portas de todos os bares para seu leitor em “Os
bares nunca fecham”, convidando-o a penetrar em suas reflexões, que
existem em seu dia a dia de professora de Literatura e se intensificam
nos ambientes de bar. Neles há confraternização, convívio, socialização.
O álcool reina como catalisador de todas as afeições. Sobre brigas, ela
não fala. Muitas letras de música e poemas, além de amores e rupturas,
acontecem nos bares, embalados pela sinceridade sem freios e afetos
desencadeados pela circunstância. Começa pelos botecos de Francisco Sá, o
seu Brejo das Almas, depois, em Montes Claros, a menininha sonha com o
bombom Sonho de Valsa do Bar e Sorveteria Cristal, seguindo na vida até
os bares das pequenas e grandes cidades do Brasil, Espanha e Portugal.
Entrando
e saindo de bares limpos e sujos, bons e ruins, nobres e pobres, num
périplo de compreensão e tolerância, mesmo nos piores lugares garimpa
algo positivo, seja valorizando o acolhimento do dono ou do garçom, ou
apenas a temperatura da cerveja em lugares civilizados ou ermos. Vê o
mundo de maneira apaixonada, e seus sentimentos de entusiasmo, coerência
e aceitação saem poetizando mundo afora, viajando com seu inseparável
diário, e tempos depois, dele extrai preciosidades.
Por
conhecer a autora e muitos dos seus personagens, fui seguindo-a pelos
bares da vida, e vendo as gentes envoltas nos burburinhos etílicos,
especialmente, e de forma mais luminosa na Cachaçaria do Durães, o ponto
alto do livro. O lugar, a seu tempo, foi uma referência das noites
descompromissadas, para uma tribo sem cacique, onde se podia ser e fazer
e dizer o que quisesse. Este bar, que não existe mais, marcou Karla
Celene e todos os seus frequentadores, pois ouvi de outras bocas a
mágica multicultural que o envolvia. Até cheguei a conhecê-lo, porém sem
o brilho de antes. Era alternativo, e ao mesmo tempo um lugar seguro
para porres e confissões de cabo a rabo.
O
bar e seu aditivo etílico têm o efeito de automatizar uma estranha
confiança entre desconhecidos. E por detrás daquele copo há uma alma
alegre ou triste, que mente (antes da bebida) ou fala a verdade, porque
tem a língua solta e as emoções afloradas pelo efeito alcoólico. A
autora filosofa, cita escritores e letristas, como também fala por si
mesma, com sua visão do mundo, peculiar e otimista, isolando-se do mal,
mas sem, contudo, desconhecê-lo.
De
espírito libertário, Karla Celene participa de protestos, dança sobre a
mesa de um bar, entra em qualquer botequim, respeita quem a serve, faz
amizades. As confissões costumam ser verdadeiras, mas é certo, que
“amizade de boteco”, assim como “filosofia de boteco” não têm grandes
consistências, porém a escritora faz isso acontecer, deixando a
superfície, aprofunda naquilo que vê, poetisa a vida, expõe o que sente.
Conta histórias de garçons, donos de bar e frequentadores, enriquecidas
pelo seu espírito de jornalista. Geralmente está só, mas também em
grupos de colegas e apenas uma vez com a família, porém sem nomeá-la,
pois intenciona universalizar o ambiente de bar, e não particularizá-lo.
O
curioso é que os bebedores de chope e cerveja são notívagos e alguns
são gordos. Karla Celene é magra, atleta e do dia. Acorda antes do sol,
aprecia bicicleta e caminhada e dorme antes das 20 horas. Ficar acordada
é sacrifício para ela, por isso, eu sei, aprecia as tardes de sábado,
quando toma uma gelada.
Quem
não vai a bares desconhece esse mundo, como se sua porta estivesse
lacrada. Por outro lado, quem não lê encontra outras portas fechadas.
Cada um dos bares que a poeta escancara, quando os descreve filtrados
pela sua filosofia, tem personalidade e nessa seara, acaba por ensinar a
viver de uma forma menos solene. Quem não frequenta bares perde algo
bom: o lado autêntico da vida. E eu, que convivi com grandes bebedores
de cerveja, e não aprendi a apreciá-la, sinto que perdi uma parte da
festa, mas a ganhei de volta, lendo Karla Celene Campos, que encontra
suavidade no mundo, mesmo sem álcool.
Domingo, 21 de outubro de 2017
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