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Frase

"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Por bares nunca dantes navegados

Mara Narciso
médica endocrinologista e jornalista

Karla Celene Campos abre as portas de todos os bares para seu leitor em “Os bares nunca fecham”, convidando-o a penetrar em suas reflexões, que existem em seu dia a dia de professora de Literatura e se intensificam nos ambientes de bar. Neles há confraternização, convívio, socialização. O álcool reina como catalisador de todas as afeições. Sobre brigas, ela não fala. Muitas letras de música e poemas, além de amores e rupturas, acontecem nos bares, embalados pela sinceridade sem freios e afetos desencadeados pela circunstância. Começa pelos botecos de Francisco Sá, o seu Brejo das Almas, depois, em Montes Claros, a menininha sonha com o bombom Sonho de Valsa do Bar e Sorveteria Cristal, seguindo na vida até os bares das pequenas e grandes cidades do Brasil, Espanha e Portugal.


Entrando e saindo de bares limpos e sujos, bons e ruins, nobres e pobres, num périplo de compreensão e tolerância, mesmo nos piores lugares garimpa algo positivo, seja valorizando o acolhimento do dono ou do garçom, ou apenas a temperatura da cerveja em lugares civilizados ou ermos. Vê o mundo de maneira apaixonada, e seus sentimentos de entusiasmo, coerência e aceitação saem poetizando mundo afora, viajando com seu inseparável diário, e tempos depois, dele extrai preciosidades.

Por conhecer a autora e muitos dos seus personagens, fui seguindo-a pelos bares da vida, e vendo as gentes envoltas nos burburinhos etílicos, especialmente, e de forma mais luminosa na Cachaçaria do Durães, o ponto alto do livro. O lugar, a seu tempo, foi uma referência das noites descompromissadas, para uma tribo sem cacique, onde se podia ser e fazer e dizer o que quisesse. Este bar, que não existe mais, marcou Karla Celene e todos os seus frequentadores, pois ouvi de outras bocas a mágica multicultural que o envolvia. Até cheguei a conhecê-lo, porém sem o brilho de antes. Era alternativo, e ao mesmo tempo um lugar seguro para porres e confissões de cabo a rabo.

O bar e seu aditivo etílico têm o efeito de automatizar uma estranha confiança entre desconhecidos. E por detrás daquele copo há uma alma alegre ou triste, que mente (antes da bebida) ou fala a verdade, porque tem a língua solta e as emoções afloradas pelo efeito alcoólico. A autora filosofa, cita escritores e letristas, como também fala por si mesma, com sua visão do mundo, peculiar e otimista, isolando-se do mal, mas sem, contudo, desconhecê-lo. 

De espírito libertário, Karla Celene participa de protestos, dança sobre a mesa de um bar, entra em qualquer botequim, respeita quem a serve, faz amizades. As confissões costumam ser verdadeiras, mas é certo, que “amizade de boteco”, assim como “filosofia de boteco” não têm grandes consistências, porém a escritora faz isso acontecer, deixando a superfície, aprofunda naquilo que vê, poetisa a vida, expõe o que sente. Conta histórias de garçons, donos de bar e frequentadores, enriquecidas pelo seu espírito de jornalista. Geralmente está só, mas também em grupos de colegas e apenas uma vez com a família, porém sem nomeá-la, pois intenciona universalizar o ambiente de bar, e não particularizá-lo.

O curioso é que os bebedores de chope e cerveja são notívagos e alguns são gordos. Karla Celene é magra, atleta e do dia. Acorda antes do sol, aprecia bicicleta e caminhada e dorme antes das 20 horas. Ficar acordada é sacrifício para ela, por isso, eu sei, aprecia as tardes de sábado, quando toma uma gelada.

Quem não vai a bares desconhece esse mundo, como se sua porta estivesse lacrada. Por outro lado, quem não lê encontra outras portas fechadas. Cada um dos bares que a poeta escancara, quando os descreve filtrados pela sua filosofia, tem personalidade e nessa seara, acaba por ensinar a viver de uma forma menos solene. Quem não frequenta bares perde algo bom: o lado autêntico da vida. E eu, que convivi com grandes bebedores de cerveja, e não aprendi a apreciá-la, sinto que perdi uma parte da festa, mas a ganhei de volta, lendo Karla Celene Campos, que encontra suavidade no mundo, mesmo sem álcool. 

Domingo, 21 de outubro de 2017

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