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"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Professores de ética

POR FREI BETTO

É TAUTOLÓGICO falar em falta de ética no Congresso Nacional. Os escândalos se sucedem, do deputado que está "se lixando" para a opinião pública aos funcionários do Senado que, a exemplo de notórios senadores, ostentam um padrão de vida muito superior a seus vencimentos e à renda declarada.

Felizmente, há exceções. Lástima que a indignação e o protesto de congressistas íntegros tenham pouca ressonância nas ruas. Em geral, noticiam-se a farra de passagens aéreas, os castelos mirabolantes, as mansões paradisíacas. Poucos tomam conhecimento da coerência de congressistas incorruptíveis.

A corrupção decorre da falta de caráter. Esta se manifesta, de modo especial, quando a pessoa se vê investida de uma função de poder, do prefeito que se apropria dos recursos da merenda escolar a congressistas que se julgam no direito de pagar, com dinheiro público, o salário de sua empregada doméstica.

Como dar um basta em tanta maracutaia? Difícil. O ser humano padece de duas limitações insuperáveis: defeito de fabricação e prazo de validade. É o que a Bíblia chama de "pecado original". Sempre haverá homens e mulheres desprovidos de caráter, de princípios éticos, dispostos a não perder a primeira oportunidade de enriquecimento ilícito. A solução é criar, via profunda reforma política, instituições que inibam os corruptos e mecanismos de controle popular. Em suma, tornar a nossa democracia, meramente delegativa, mais representativa e, sobretudo, participativa.

Enquanto isso não acontece, sugiro que convidem, para ministrar um curso de ética no Congresso Nacional, Suas Excelências José Gomes da Costa, Rodrigo Botelho, Francisco Basílio Cavalcanti, Clélia Machado, Sebastião Breta e Fagner Tamborim.

José Gomes da Costa é gari da Prefeitura de São Paulo. Ganha R$ 600 por mês. Vinte e seis vezes menos que um deputado federal. Com esse salário, sustenta a si e três filhos. Dia 18 de maio último, ao varrer a rua, encontrou um cheque no valor de R$ 2.514,95. José precisaria trabalhar quatro meses, sem nenhuma despesa, para acumular essa quantia. Procurou uma agência do banco e devolveu o cheque. Motivo: vergonha na cara.

Gari, Rodrigo Botelho encontrou, em 26 de maio do ano passado, durante campeonato mundial de tênis de mesa, no Rio, mochila com R$ 3 mil em dinheiro. Viu o nome do dono nos documentos, chamou-o pelo microfone e devolveu. Rodrigo é normal, tem caráter.

Francisco Basílio Cavalcante, faxineiro do aeroporto de Brasília, pai de cinco filhos, ganha salário mínimo. No dia 10 de março de 2004, encontrou uma bolsa de couro no banheiro do aeroporto. Dentro, US$ 10 mil. Se fosse juntar o salário que ganhava, sem gastar um só centavo, levaria (à época) mais de sete anos para obter igual soma. Francisco declarou: "Tem que ser assim. O que não é nosso precisa ser devolvido. Não pode trazer felicidade".

Clélia Machado, 29, é auxiliar de serviços gerais e faz bico como manicure. Sozinha, cria duas filhas, uma de sete anos, outra de nove. Sua renda mensal não chega a R$ 550. Todos os dias ela faz a faxina do banheiro do posto da Polícia Rodoviária Federal em Seberi (RS). A 11 de março de 2008, encontrou, junto à privada, um pé de meia enrolado em papel higiênico. Dentro, US$ 6.715. Clélia entregou os dólares aos policiais.

Entrevistada, disse: "Bem que podia ser meu de verdade. Mas já que não me pertencia, devolvi. Era o certo a fazer". O gari Sebastião Breta, 43, da Prefeitura de Cariacica (ES), devolveu os R$ 12.366 mil que achou num malote no lixo. O nome do homem que fora roubado estava gravado numa etiqueta. Sebastião ganha salário mínimo.
Indagado se pensou em ficar com o dinheiro, disse: "Nunca. Desde a primeira vez que vi, sabia que devia devolver. Quando não consigo pagar as minhas contas, fico doido, pensava o tempo todo como estaria o dono do dinheiro, imaginava que ele também não podia pagar suas contas porque tinha perdido tudo. Eu e minha mulher não conseguiríamos dormir à noite. Acho esquisito pegar o que não é da gente".

Fagner Tamborim, 17 anos, entregador de jornais na cidade de Pirajuí, a 398 km de São Paulo, ganha R$ 90 por mês. Enquanto pedalava sua bicicleta, encontrou na rua um malote com R$ 6 mil. Devolveu-o ao dono. "Vi que tinha muito dinheiro e cheques. Levei pra minha mãe, que ligou para o banco."

O melhor do Brasil é o brasileiro, não necessariamente nossos congressistas.


CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO, o Frei Betto, frade dominicano e escritor, é autor, em parceria com Verissimo, Cristovam Buarque e outros, de "O Desafio Ético", entre outras obras.

COMENTÁRIOS AO ARTIGO NO PAINEL DOS LEITORES DA FOLHA

Heróis "anônimos"
"Frei Betto tem toda a razão ("Professores de ética", "Tendências/Debates", ontem). Não só falou dos nossos heróis anônimos como nomeou-os. Resistiram ao impulso de não se aproveitar da ocasião e deixaram seus princípios falarem mais alto do que seus graves problemas e do que a possibilidade de realizarem muitas coisas proibidas para eles pela falta de condições financeiras. Será que nossos políticos teriam tido a mesma consciência, agindo contra suas ambições? Tenho certeza de que esses professores de ética, se estivessem no poder, seriam solidários e teriam respeito com o erário. Jamais mandariam uma nação inteira se lixar." - TEREZINHA DIAS ROCHA (São Paulo, SP)

"Mais uma vez Frei Betto foi feliz em um artigo. Sou cético, entretanto, quanto à solução por ele proposta: profunda reforma política e instituições que inibam os corruptos. Melhor seria se houvesse punição exemplar para os crimes de colarinho branco (o Congresso, por exemplo, ficaria às moscas, o que é preferível) e igualdade social, via melhor acesso à educação e à cultura. Estes são deveres do Estado - União, Estados e Municípios -, que comete o delito da omissão. A histórica indiferença é pior do que a não menos histórica omissão do poder público, principalmente quando o tema é educar com qualidade para permitir acesso democrático de todos ao trabalho e, consequentemente, à ascensão social." - WANDER CORTEZZI (São José do Rio Preto, SP)

"O comentário de Frei Betto é a síntese de como atuam os políticos brasileiros e os verdadeiros brasileiros, que tomam ônibus e trens superlotados de madrugada para o trabalho. Leio a Folha todos os dias e ouço também o noticiário. No caso do Congresso, as notícias são predominantemente sobre quem usou mais ou usou menos o dinheiro público, e não sobre o que deveria ser feito na "Casa do Povo"." - REYNALDO NOGUEIRA (São Paulo, SP)

TEXTO ENVIADO PARA O E-MAIL pascac25@hotmail.com por José Batista da Silva (jbapthistadasilva@yahoo.com.br) na terça-feira, 13 de setembro de 2011, às 16h e 59min

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