ALVORADA

O SOL NASCE NO LESTE (VOSTOK) E PÕE-SE NO OESTE (EAST)

Frase

"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

Fatos

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sábado, 7 de junho de 2014

O ícone de Pentecostes

O ícone de Pentecostes

Eis aqui, o ícone de Pentecostes do mosteiro de Stavronikita, no Monte Athos, Grécia. O ícone, datado do século XVI, particularmente nos interessa hoje, e pode ser lido com a mesma atualidade da época no qual foi escrito (o ícone costuma-se ser definido comumente como a Palavra de Deus escrita em linhas e cores, daí o correto seja afirmar que o ícone é escrito e não pintado ou desenhado).
Vemos uma assembleia de homens os quais estão sentados, em semicírculo, sobre um banco com encosto alto. A cena é descrita a partir do interior do ambiente, como demonstram as construções ao fundo e a cortina vermelha. A cena acontece na parte superior do ícone. Há duas casas em formatos de torres. A cena ocorre no espaço superior, ou seja, no Cenáculo, onde houve a Última Ceia.
Os protagonistas desta cena são em número de doze, alguns deles seguram em suas mãos um rolo de pergaminho, e os outros portam um livro numa atitude calma, postura é hierática, e a atmosfera parece cordial.
Observa-se, também, um espaço deixado entre os dois personagens na parte superior, de modo que o olhar do espectador, logo se dirige sobre esse lugar central deixado vazio.
Da parte superior da casa - o céu - saem os raios que terminam em chamas - "línguas" de fogo -, que descem e pousam sobre cada personagem. 
Na parte inferior do ícone, há uma cavidade escura, onde se destaca uma figura coroada, com barba branca; ele porta nos braços um grande lenço branco onde estão depositados doze rolos.
A composição é simétrica: seis homens, e seis línguas de fogo de cada lado. 
A cena é luminosa: o céu é representado por um fundo de ouro, há o sol, os raios de luz sobre os bancos, e leves raios de luzes sobre as vestes dos doze. Os doze personagens são os Apóstolos, do grego, apostoloi, aqueles que são enviados em missão.
No alto, vemos Pedro e Paulo, e os quatro Evangelistas segurando o Livro Sagrado; Mateus e Lucas (à esquerda do ícone) e João e Marcos (à direita); depois Simão, Bartolomeu e Filipe (ou Judas) (à esquerda), André, Tiago e Tomé (à direita).
Por que São Paulo está representado neste ícone, visto que, historicamente ele não estava presente lá, naquele dia, e nem sequer, ele ainda se convertera? É porque o ícone não representa somente os eventos descritos pelos textos bíblicos, ele também revela o seu significado. O significado dessa presença parece claro: seria possível imaginar a Igreja sem São Paulo, uma de suas colunas? O ícone objetiva transmitir um ensinamento. 
Por que o lugar vazio no meio dos apóstolos? O lugar deixado vazio no centro significa que Cristo está presente, mesmo que invisível.
O lugar do Cristo no centro é porque Ele é o chefe da Assembleia, Ele é a cabeça da Igreja, e é seu Ensinamento que, com o dom do Espírito, a Igreja tem a missão de transmitir. O trono vazio também simboliza o trono preparado para a segunda vinda de Cristo. Neste caso, a representação assume o significado do Juízo Final, onde os doze se sentarão para julgar as tribos de Israel.
"O Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse "(Jo 14, 26).
Cristo disse ainda: "Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não podeis suportar agora; quando vier o Espírito da verdade, ele vos guiará na verdade plena” (Jo 16, 12-13).
O Espírito Santo que é dado, para sempre, irá permitir aos apóstolos cumprir a missão que lhes foi confiada. Confiada a eles que não eram nem eruditos, nem filósofos, mas homens simples, pescadores. O ícone evoca uma cena filosófica de ensinamento da antiguidade.
Olhemos o ícone:
Os apóstolos estão sentados sobre um banco com encosto alto em um semicírculo, como aqueles que se faziam na Antiguidade nas escolas de filosofia. Pensa-se, imediatamente, em Platão, em Pitágoras instruindo os seus discípulos. 
Esta referência à Antiguidade se refere aos gregos, os detentores do pensamento filosófico, mas o ensinamento de Cristo vai muito além da mera filosofia, porque "esta palavra que estais ouvindo não é minha, mas do Pai que me enviou.”
A imagem do Cristo ensinando é representada logo cedo na iconografia paleocristã. Encontra-se, por exemplo, em Roma, nas Catacumbas de Domitila, que datam do século IV, uma das primeiras cenas do Cristo Mestre ensinando, em grego, didáskalos, ou seja, aquele que ensina o que é belo! Jesus é o Mestre por excelência. Ele está vestido à maneira antiga, como o filósofo entre os seus discípulos. A arte paleocristã se inspirou muito na arte antiga, nos afrescos, miniaturas e nos baixos-relevos.
A Representação da Igreja 
O ícone de Pentecostes é a representação da Igreja. Ele é o símbolo da Igreja. Símbolo tem sua raiz no grego, Symbolon, é o oposto de diabolon - que divide. Symbolon é o que reúne, congrega. Originalmente, o symbolon era um objeto que havia sido cortado pela metade e que só tinha utilidade quando as duas partes eram reunificadas. Era um sinal de reconhecimento.
O Símbolo reúne duas partes, de um lado, uma realidade material, de outro lado, uma realidade espiritual, que o torna presente. O símbolo não é uma imagem alegórica ou uma simples metáfora, mas uma ligação orgânica entre as duas partes que ele une.
O ícone também funciona desta maneira: ele une uma parte material e uma parte espiritual, revela-nos um outro mundo de uma plenitude incomparável à vida do mundo decaído. 
Reunir-se na igreja se relaciona à natureza e à finalidade da reunião, e não apenas do lugar. A palavra igreja, do grego ekklesia significa assembléia (ekklésiazo quer dizer convocação, convocar uma assembleia, participar da assembleia). Nosso ícone nos mostra a primeira assembleia, a assembleia fundadora, a dos apóstolos. "Reunir-se na igreja" é, portanto, constituir tal assembleia, cujo objetivo é realizar a Igreja - o lugar onde se pode saborear o penhor do Espírito, o Reino. Esta primeira assembleia manifesta a existência da Igreja.
"É preciso saber", escreveu um teólogo ortodoxo, o Padre Alexandre Schmemann, “que vamos ao templo não para orar individualmente, mas para nos reunir na Igreja. O templo visível é apenas a figura do invisível que não é feito por mãos humanas. Quando eu digo que vou à Igreja, significa que eu vou à assembléia dos fiéis para, com eles, constituir a Igreja, para ser aquilo que eu me tornei no dia do meu batismo: um membro do Corpo de Cristo, no sentido pleno da palavra. Eu vou à Igreja para manifestar minha qualidade de membro, para atestar diante de Deus e do mundo o mistério do Reino.” Tal é o mistério da Igreja, o de Corpo de Cristo que formamos no presente, porque o Cristo está conosco, mesmo que esteja invisível, como no ícone.
Manifestar e confessar a presença de Cristo e de seu Reino no mundo foi a primeira missão dos Apóstolos. É por isso que os vemos portar um livro, ou um rolo. Aqueles que têm o Evangelho são: Paulo, João, Lucas, Mateus e Marcos. Os outros têm um rolo (eiliton em grego) que simboliza a Palavra de Deus que eles vão transmitir graças ao Espírito Santo, que abriu a sua inteligência. 
Aqui vemos tanto o paralelo e a superação desse paralelo entre o Pentecostes do Novo Testamento e o Pentecostes do Antigo Testamento: as tábuas da Lei foram dadas a Moisés, 50 dias após a travessia do Mar Vermelho. O Espírito Santo que ensinará todas as coisas aos apóstolos, e lhes fará lembrar de tudo o que Cristo lhes disse, foi enviado à Igreja nascente no dia de Shavuot (sete semanas). O ensinamento do Cristo, que procede do Pai, iluminado pelo Espírito é o cumprimento da promessa, o cumprimento da Lei.
Os Atos dos Apóstolos relatam que a descida do Espírito aconteceu com um grande barulho e uma confusão geral. No entanto, sobre o ícone vemos exatamente o contrário: uma ordem harmoniosa, uma composição rigorosa. A atitude hierática dos Apóstolos exprime calma e solenidade.
O ícone nos mostra o acontecimento a partir do interior, como viveram os apóstolos. O ícone nos revela o sentido interior dos acontecimentos, ele revela seu significado escatológico. 
A Igreja é construída com ordem e harmonia ao redor da figura de Cristo, nos diz o ícone. Assim, cada Assembleia eucarística reproduz no presente esta forma inicial. A Igreja não está construída sobre o individualismo, mas na comunhão entre seus membros, pois eles estavam reunidos em oração, à espera do Espírito Santo prometido pelo Cristo.
Este é o sentido eclesiológico da Assembleia - e por extensão Eucarística- que afirma o ícone de Pentecostes, e nos permite ver o momento fundador da Unidade dos membros desta assembleia. Eles estão reunidos no dom que receberam de maneira igual, mas pessoal. O ícone representa o Espírito Santo descendo sobre a cabeça de cada um, em forma de línguas de fogo.
O ícone de Pentecostes é a representação da Assembleia dos Apóstolos, isto é, da Igreja, no momento quando ela recebeu o batismo do Espírito.
"Vós ouvistes dizer que João batizou com água, mas é no Espírito Santo que vós sereis batizados" (At 1, 5), disse Cristo aos apóstolos. E eles viram como que línguas de fogo, que se separaram" 
. O ícone nos mostra o batismo dos apóstolos, portanto da Igreja, pelo fogo do Espírito Santo. É ao mesmo tempo o nascimento e batismo da Igreja.
Os Apóstolos estão unidos no Espírito Santo, mas cada um recebe de forma pessoal o fogo do Espírito: as línguas se dividiram. Dessa aliança da unidade e da alteridade dos apóstolos decorre toda a história da Igreja com seus concílios.
O efeito mais surpreendente da descida do Espírito sobre os apóstolos foi quando eles começaram a falar aos homens de "todas as nações que estão debaixo do céu, reunidos em Jerusalém", e cada um os ouvia falar em sua língua "(At 2, 5). 
O Pentecostes restaura o que tinha sido quebrado na Torre de Babel. Pois lá, a incompreensão fora instalada entre os homens, assinalando a divisão entre as nações; no Espírito Santo a comunicação entre os homens foi restaurada, a união se tornou possível no respeito à alteridade (homens de todas as nações). São Lucas diz que "havia em Jerusalém habitantes de vários lugares, Judeus religiosos de todas as nações que estão sob o céu, e o barulho se espalhou, e reuniu-se em assembleia um grande número, e eles ficaram surpresos" porque "cada um os ouvia falar na sua própria língua” (At 2, 8). 
O Povo de Deus se espalhava a ponto de não mais conhecer fronteiras de raça, cultura, espaço ou tempo. A salvação também é oferecida para aqueles que não são Judeus.
O ícone mostra isso de várias maneiras: 
Em primeiro lugar, pela sua composição, que não é fechada - vê-se que as fileiras dos apóstolos permanecem abertas: "A Igreja não se limita ao círculo dos apóstolos, nem ao apostolado em geral, nem à hierarquia" (L. Ouspensky). 
A abertura do ícone em si (e qualquer ícone) não fecha as cenas em um edifício particular. Podemos ver os edifícios ao fundo: significa que o sentido dos acontecimentos que o ícone representa não se limita ao seu lugar histórico, mas ultrapassa o momento onde ocorreu. Hoje, como ontem, como amanhã, a mensagem do ícone é a mesma. 
Em seguida, na parte inferior do ícone, vê-se um personagem imperial que representa o mundo temporal.
Em gesto de ação de graças ele porta um grande tecido com os doze rolos da pregação apostólica. Em alguns ícones é o profeta Joel, que é pintado, porque sua profecia é lida nas Vésperas: "Nestes últimos dias, diz o Senhor Deus, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; e vossos filhos e as vossas filhas profetizarão; os vossos jovens terão visões, e os vossos anciãos terão sonhos "(Jl 11, 28).
Pode-se também ver este tecido como uma embarcação. O navio foi muitas vezes usado para representar a Igreja. 
Escreveu São Clemente : 
"O corpo inteiro da Igreja é como um grande navio que transporta numa violenta tempestade os homens de diversos lugares que não querem habitar a cidade do reino. Olhai, portanto, para Deus como o capitão deste navio, o Cristo como o piloto, o bispo como o vigia, os sacerdotes como os mestres da equipe, o mais simples dos irmãos como os passageiros, e o mundo como o abismo da morte ".
"Os apóstolos de simples pescadores que eram, foram chamados a se lançar ao mar e à borda do navio que é a Igreja, a se tornar pescadores de homens":
É preciso que todos os povos aprendam a Boa Nova: que o dom do Espírito é para todos. Segundo o discurso escatológico de São Mateus, o último grande sinal da Segunda Vinda de Cristo no fim dos tempos será que "o Evangelho do Reino será proclamado em toda a terra habitada, em testemunho a todas as nações. E então virá o fim" (Mt 24, 14).
O ícone faz entrar o reino na história. É uma janela aberta sobre o Reino. 
A descida do Espírito Santo é o primeiro dia de uma era nova: o tempo da Igreja. 
O Espírito Santo se comunica aos membros do corpo de Cristo e os deifica pela graça. É este o tema central do ícone: a deificação do homem, sua participação na graça e pela graça ao Reino aqui e agora. As faces dos doze no ícone mostram o homem transformado pela ação do Espírito Santo, o homem na luz da Santíssima Trindade. Amém!

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