ALVORADA

O SOL NASCE NO LESTE (VOSTOK) E PÕE-SE NO OESTE (EAST)

Frase

"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

Fatos

Gripe espanhola-estadunidense no início do século XX... Coronavírus no início do século XXI... Barragem de rejeitos minerários arrasa Mariana-MG em 05/11/2015... Barragem de rejeitos minerários arrasa Brumadinho-MG em 25/01/2019... Anderson Gomes e Marielle Franco são executados no Rio de Janeiro-RJ em 14/03/2018... Médicos ortopedistas são executados com 30 tiros em 30 segundos em restaurante na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro-RJ... (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...)(...) (...) (...)(...) (...) (...) E por aí vai...

domingo, 30 de dezembro de 2018

Mulheres pioneiras

POR Mara Narciso, médica-endrocrinologista e jornalista

“Sai debaixo do tacão do pai e vai pra debaixo do tacão do marido” - Milena Narciso

Em 1844, era assim no sertão da Bahia: “para ele a mulher casada era uma espécie de propriedade inalienável do marido, a quem competia zelá-la, guardá-la e mantê-la como é cuidado um animal ou um escravo de estimação. Obediente, não devia a metade frágil do casal fazer objeção alguma às determinações da outra a quem se entregou, incondicionalmente” (Analfabetos, João Gumes, 1928), citado por Dário Teixeira Cotrim em “Idílio de Pórcia e Leolino”, de 2005. Dário também mostra Gilberto Freire: “as meninas criadas em ambiente rigorosamente patriarcal viveram sob a mais dura tirania dos pais - depois substituída pela tirania dos maridos” (Casa Grande e Senzala). Segundo as pesquisas de Dário, “à mulher caberia o bem estar dos filhos, zelar pela honra das suas casas e de suas famílias, e diante de maridos devassos, mostrar resignação, suportando sem protestar nem constranger o marido infiel, atendendo-lhe com um sorriso, e aceitando-lhe as insuficiências sexuais”. Quando chegavam visitas, as mulheres sumiam.

Em 1931, quando os meus avós Petronilho Narciso e Maria do Rosário de Souza Narciso se casaram, no Norte de Minas pouco havia mudado em relação a esses costumes. Eram raras as mulheres que trabalhavam como professoras, e o roteiro era ter um filho a cada ano. Quando um filho nascia, desocupava o lugar para outro, era o que se dizia sobre o papel feminino na sociedade. As mulheres da classe abastada frequentavam escola, namoravam de longe, e, diante de qualquer objeção dos pais em relação a um pretendente, o casamento era vetado. Apenas em caso de morte do pai, a ordem seria desobedecida. Isso se os irmãos concordassem.

Os estudos das moças não eram prioridade, ainda que as normalistas fossem relativamente valorizadas pela sociedade como úteis para alfabetizar crianças. Um casamento poderia impedir a formatura no curso Normal, mesmo que fosse eclodir em dois meses (caso da minha avó) para a moça se casar. Naquela mesma época, estava explícito no contrato de professora, que a moça não podia namorar, nem sair sem acompanhante, a vestimenta sóbria era especificada e qualquer desobediência a faria perder o emprego. Mulheres transgressoras, hoje vistas como desbravadoras, romperam barreiras, fizeram de conta que podiam, e começaram a trabalhar fora.  Ismar Ferreira, mãe da minha amiga de infância Dulcemar Soares, em 1933, aos 13 anos, trabalhava no centro de Montes Claros numa loja, depois cursou contabilidade, e fez carreira nessa profissão.


Apenas sete anos antes, em oito de maio de 1926, fora aberto no centro de São Paulo o Restaurante da Liga das Senhoras Católicas, o 1º permitido para mulheres desacompanhadas. No Vale do Anhangabaú, atendia trabalhadoras, e apenas em 1946 passou a atender rapazes também. Essa iniciativa primitivamente segregadora, com o tempo modificou costumes sociais, construiu um mundo novo, favorecendo o trabalho das mulheres, que, pouco a pouco se tornaram independentes.

Milena Narciso, a minha mãe, também foi avançada para o tempo dela. Ainda que tenha me criado no estilo antigo, de certa forma, era revolucionária. Teve um pai castrador que a proibiu de estudar Medicina em Belo Horizonte, em 1952. Porém, em 1968, aos 34 anos, casada e com três filhos de 5, 13 e 14 anos, fez o vestibular de Medicina na primeira turma da Famed - Faculdade de Medicina do Norte de Minas, formando-se em 1974. O seu marido baixava as mais absurdas portarias, e era obedecido. Milena tinha um discurso libertário e fez a sua revolução pessoal, ainda que tardia, dando seu grito de independência financeira aos 40 anos e total aos 50 anos.

A minha mãe, pouco a pouco, foi rompendo e nos fazendo romper as amarras sedimentadas pelo pai, pelo marido, e por ela própria, já que as mulheres, como gênero, ainda hoje colocam algemas em seus pulsos. Algumas lamuriam, quando veem seus relacionamentos se romperem pelo lado masculino.

Mulheres criadas para estudar, trabalhar, ser o que quiser ser, ter o que quiser ter, ser dona da sua vida, deveriam reverenciar aquelas que deram os primeiros passos, enaltecendo-as e repudiando todo e qualquer retrocesso. Aplausos às pioneiras. Prisioneiras, nunca mais!

Domingo, 30 de dezembro de 2018

Nenhum comentário: