ALVORADA

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Frase

"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

Fatos

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domingo, 20 de janeiro de 2019

Vivendo na nuvem virtual

Mara Narciso, médica-endocrinologia e jornalista

Estou vivenciando uma crise existencial, que se agrava. Enfrento uma perda de credibilidade em relação a coisas, fatos, pessoas e ciência sem precedentes. A culpa é minha por não estar preparada para a volatilidade e múltiplas interpretações dos acontecimentos. A labilidade das notícias me deixa insegura em relação a muito do que ocorre. Até se ocorre. Isso me tem feito perder o sono, mas não o apetite. Sorte minha ser psicanalisada há 17 anos, senão perderia de vez a racionalidade.

Uma notícia pode ser contada de forma igual, porém, se extraindo dela apenas o sumo, conforme o interesse de quem conta. Isso tem sido feito sistematicamente, o que gera insegurança em quem escuta a análise. Dizem por aí que o que falta é “interpretação de texto”. E isso deve estar me faltando. Ainda bem que não me falta interpretação das ações humanas. Não me importo com o que pensam, mas me importam as consequências desses pensamentos.

Ter ética é natural para mim, mesmo assim procuro me esforçar para tomar as decisões corretas. A profissão médica me traz um problema a cada meia hora. Isso é complexo. Preciso tomar uma decisão e dar uma solução de instante em instante, há 39 anos.

Até a ciência tem se mostrado fluida, diluída, incorpórea. Muitas tendências, num vai e volta, tudo solto no ar, até mesmo em relação à alimentação. Medicamentos e condutas consagrados são postos em cheque. Essa maluquice gera desconforto, desconfiança, incerteza.

Não é fácil escovar os dentes sempre da direita para a esquerda, primeiro a parte de cima e depois a parte de baixo e de repente ser obrigada a fazer absolutamente ao contrário. Até usando a mão não dominante. Dizem ser um ótimo exercício cerebral, que cria novas conexões melhorando o desempenho dos neurônios. Isso melhoraria a memória e facilitaria o aprendizado, afastando o Mal de Alzheimer.

Tudo faz mal nesse mundo excessivamente industrializado. A inteligência artificial avança sobre os humanos degolando-os e colocando-os em seus devidos lugares. A verdade da manhã é mentira à tarde. O certo será o errado e vice-versa.

Meu ceticismo atingiu seu ápice. Meus eternos questionamentos não descansam. Não acredito em mais nada. Quando eu disse isso à minha psiquiatra, ela não gostou. Mas eu emendei: na Psicanálise eu acredito.

Estou desanimada com a humanidade, mas quando vejo alguém arriscar a vida por um cão, em choro. Ao mesmo tempo em que me sinto frágil me fortaleço com minha determinação. Por exemplo, estou aborrecida com algum fato desagradável. Penso: não vou ficar chateada. E fico bem de imediato. Apenas o treinamento dá esse domínio.

Ainda assim minha incredulidade anda me incomodando. Especialmente com as declarações de pessoas que estudam, porém em fontes díspares das minhas. Ou elas usam óculos diferenciados que lhes dão uma visão peculiar do mundo, ou eu faço uso deles. Pessoas que vivem as mesmas experiências podem ter visões diametralmente opostas.

Não quero ferir susceptibilidades com a minha irreligiosidade. Mas não me furto em me posicionar, ainda que nesse tempo de pessoas armadas de paus, pedras, balas e palavras, não me faltem bordoadas. Ah, eu deixo barato. Eu deixo de graça. Eu não preciso retrucar. Mas também não sou obrigada a me conter. De vez em quando a casa cai.

Meus 19 anos de redes sociais, num tempo em que nem existia esse nome, me ensinaram que as letrinhas não têm entonação, que são geralmente ferinas, mesmo quando não são. Então, para que responder? Prefiro que os paus, pedras, balas e palavras fiquem sem serventia. E que as expressões doces sejam encontradas e disseminadas pelos poetas. Eu conheço alguns maravilhosos. De outros sinto falta, pois se calaram para sempre.

Hoje meus pensamentos se voltam para meu estimado amigo virtual Pedro João Bondaczuk, jornalista, escritor de muitos cabedais, íntegro, equilibrado, sábio, que nos presenteava com reflexões de imenso poder. Muitas vezes se perguntava: quem eu sou? De onde eu vim? Para onde eu vou? Pedro acreditava em Deus, força criadora do universo, mas não acreditava em vida após a morte. Para ele, envio minha insensatez e minha saudade. Há 103 dias Pedro partia e hoje seria seu aniversário de 76 anos. O vácuo permanece.

Domingo, 20 de janeiro de 2018

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