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terça-feira, 27 de novembro de 2018

Sou uma escritora que não escreve

POR Mara Narciso
médica-endocrinologista e jornalista

Quem me disse que eu era escritora foi Waldir de Pinho Veloso, em 2005, sendo que, desde 2001, ensaiava passos na Literatura, enviando crônicas aos amigos virtuais. Tinha publicado meu livro-desabafo “Segurando a Hiperatividade”, no qual conto a história do meu filho Fernando Narciso Silveira, portador de TDAH [Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade] e Síndrome de Asperger. Yvonne Silveira, presidente da Academia Montes-Clarense de Letras, apresentou meu livro e destacou que a minha escrita não tinha literalidade. Senti-me uma não-escritora, mas voltei a crer nisso quando Waldir de Pinho Veloso, também membro da Academia Montes-Clarense de Letras, da qual passei a fazer parte, afirmou que eu tinha essa habilidade. 

Aos três anos ganhei lápis para mudar a preferência da mão esquerda para a direita. Continuei canhota. Aos quatro anos fui estudar no SESC [Serviço Social do Comércio]. Meu pai, Alcides Alves da Cruz sabia a importância da escola. Naquela época poucos frequentavam o Jardim da Infância. No pré-primário aprendi a ler e escrever. Na vida escolar, muito estudo, cadernos cheios, redações longas, e na vida, diários, poemas, contos, letras de músicas copiadas do rádio, fitas e discos. Frequentei o Colégio Imaculada Conceição dos cinco aos 15 anos e depois o Colégio Marista São José, dos 16 aos 18 anos. No terceiro ano colegial, preparando-me para o vestibular, copiava tudo que era falado. Cheguei a escrever atas no colégio, e anos depois, fui secretária da Associação de Moradores do Bairro Morada do Parque, em 1991/1992. Escrevia o documento final durante a reunião.

Na Faculdade de Medicina (1974/1979) copiava o que os professores diziam. No primeiro ano, com o braço no ar, pois não tinha carteira para sinistros, copiei o Gardner Gray O’rahilly, livro de Anatomia, de 830 páginas, ditado de cor pelo professor Edvaldo Fróes. Ensinava o corpo humano de forma estranhamente poética, seduzindo os alunos, mesmo quando segurava uma metade de cabeça, recém saída do formol. Copiar aulas durou seis anos, com muitas papeletas escritas nos estágios hospitalares. Depois vieram as Residências Médicas, mais três anos escrevendo longos relatos dos pacientes. Já trabalhando em consultório, ia toda semana a Belo Horizonte para reuniões clínicas e na volta, lembrando-me dos debates, anotava tudo no ônibus. No hospital enchia papeletas e no consultório escrevia fichas, mantendo detalhados relatórios, pareceres, encaminhamentos, tudo escrito à mão. Fora os inúmeros congressos copiados de ponta a ponta.

Em 2006 fui para a Faculdade de Jornalismo, sendo quatro anos copiando o que os professores ensinavam. Entrevistava e escrevia ao ritmo da fala, para reportagens e biografias. Como escrevia o dia todo nas consultas e continuava na escrita a caneta à noite, a dor de tanto escrever, que já sentia no braço, considerando que também digitava parte do tempo, agravou-se. Desde então, passei a ter sessões de Fisioterapia. Melhorava, mantinha os alongamentos, mas copiava sem parar. O problema chegou ao seu ápice em setembro de 2016, quando houve perda da força e da habilidade. Tive de interromper tudo. Enquanto esperava ser criado o sistema personalizado para informatizar o consultório, meu filho me ajudou, após autorização do CRM [Conselho Regional de Medicina]. Escrevia para mim e eu assinava as receitas, pedidos de exames, encaminhamentos e relatórios.

Depois de cem sessões sequenciais de fisioterapia e alongamentos diários, além da constante dança flamenca e Pilates, sinto-me melhor, mas não posso fazer quase nada. Não escrevo à caneta, e algumas vezes a assinatura não confere. O uso continuado do computador completa o estrago. A LER - Lesão por Esforço Repetitivo (ou outro nome que queiram dar à doença) é restritiva e permanente. Qualquer coisa que eu faça, sinto dores em ambos os braços, pela sobrecarga compensatória. O uso dos músculos faz a inflamação dos tendões e nervos se manifestar com dor e incapacidade. As pessoas não entendem o porquê de eu não conseguir escrever. Olham o meu braço, que não sangra e nem mostra nenhuma avaria e riem. Por favor, ajam para se preservar dessa grave doença. Durante a pior crise eu não segurava o garfo nem a escova de dente. Eu achei que poderia escrever uma quantidade imensa de letras, que, enfileiradas, seriam capazes de ir até a lua e voltar, mas não pude. Sou uma escritora que não escreve.

Domingo, 25 de novembro de 2018

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