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quarta-feira, 16 de maio de 2018

Podridão e degenerescência da democracia


POR Alfredo José Gonçalves

De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, democracia é o “governo em que o povo exerce soberania, direta ou indiretamente”. Nas chamadas democracias dos países ocidentais, porém, o povo encontra-se cada vez mais distante das decisões políticas. Nas eleições, é chamado não a indicar e escolher seus representantes, mas a optar entre aqueles previamente escolhidos. Essa escolha prévia é feita pelo poder da riqueza e do dinheiro. 

Os magnatas do mercado, financiadores das candidaturas, são em última instância os que dominam todo o processo eleitoral. Encerra-se desse modo o círculo vicioso de uma democracia igualmente viciada: a riqueza pavimenta o caminho para o poder, enquanto este último abre novas portas e oportunidades ao acúmulo de capital.

Semelhante vírus é letal e contagioso para o regime democrático. A médio e longo prazo, tende a profundar o abismo entre candidatos e cidadãos, eleitores e eleitos. Os ministros, diretores e gerentes dos três poderes da União acabam aparecendo como ocupantes de uma estranha nave espacial, como se fossem seres de outro planeta. Falam uma linguagem própria, hermética, centrada em seus interesses e privilégios. Interrompem a comunicação com os problemas reais e as necessidades urgentes dos trabalhadores e suas famílias. 

Em sua grande maioria, os políticos passam a trabalhar para manter sua cadeira cativa e seus suculentos rendimentos nos altos escalões do poder. Urnas, votos e eleições não passam de degraus de uma escada que, após superada, não tem via de retorno.

De outro lado, amplos setores do conjunto da população passam a responder à indiferença dos políticos com crescente desinteresse. Não entendem seu jargão mimético e cifrado, logo se sentem frustrados com as promessas não cumpridas, chegando a desenvolver um sentimento crítico de apatia, descrédito 
desencanto frente às decisões tomadas na esfera governamental. 

Disso resulta um afastamento progressivo da democracia praticada de maneira legal e jurídica, bem como dos partidos e outras instituições políticas. A democracia em seu sentido original e primordial se deteriora, degenera e perde sua mais forte legitimidade formal. Chega-se à dicotomia entre nós e eles, sendo “nós” os 90% que ocupam a base da pirâmide social e “eles” os 10% mais ricos 
da nação. Consolida-se, assim, a injustiça e a desigualdade, marca registrada da sociedade brasileira.

Diante desse quadro de uma democracia representativa claramente apodrecida, os movimentos sociais e organizações de base difundem o discurso da democracia direta. Mas o que vem a ser isso? Que cada um se representa a si mesmo? Impossível num país de 200 milhões de habitantes! Qual a alternativa ou alternativas? Resgatar e refundar a democracia? De novo, que significa isso? Como depurar e purificar os atuais canais, instrumentos e mecanismos da democracia praticada em nossos dias? De que forma extirpar os vírus e vícios que a infestaram ao longo do tempo? Pior ainda, como impedir o colonialismo do mercado sobre o sistema político? Ou, de outro enfoque, como impedir que os governos eleitos se tornem reféns (quando não cúmplices) dos gigantescos conglomerados nacionais e internacionais? 

Enfim, a economia capitalista de corte liberal e os princípios democráticos são realmente compatíveis entre si? Que ocorrerá no processo eleitoral já em curso do Brasil de 2018?

Perguntas sem resposta à mão. Não existem soluções imediatas nem transformações de laboratório. O que existe é a tensão e o constante confronto entre os detentores do poder e as forças vivas que propõem mudanças urgentes e estruturais. Mantém-se de pé, entretanto, o sonho, a esperança e a luta para construir novas formas de deliberação, representação e tomada de decisão política. Enquanto isso, experimentos de democracia direta podem acender algumas luzes para uma ordem democrática mais justa, igualitária e sustentável.

Alfredo José Gonçalves é português, sacerdote e superior provincial da Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos. Escreve para o jornal "O São Paulo", da Arquidiocese de São Paulo.  

São Paulo/SP, 11 de maio de 2018

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