POR Mara
Narciso
Recebi
um presente pelo correio. Trata-se do livro Tempo de Nascer, do escritor Manoel
Hygino dos Santos, montes-clarense membro da Academia Mineira de Letras. Nele o
autor comemora os cem anos da Maternidade Hilda Brandão, sendo um pretexto para
falar dos primórdios da Medicina mostrada como ritual curativo, baseada em crendice
e depois transformada em ciência. Mas o centro é a Obstetrícia. Na capa, uma
mulher com seu filho recém-nascido, ao final uma lista dos trabalhadores de lá.
O ouvidor faz livros sobre a história das especialidades médicas da Santa Casa
de Misericórdia de Belo Horizonte desde 1995 e a Maternidade é parte importante
dela.
Concluí três anos de Residência Médica naquele hospital, e minha mãe
Milena Narciso foi médica obstetra apaixonada, porém em Montes Claros. Meu
interesse se deveu à experiência do autor, a edição de luxo da obra, e ao
conteúdo bem alinhavado por quem sabe fazer bem, além da minha ligação com o
lugar e o assunto. O valor documental do livro é inquestionável por tratar da
história fazendo mais história, mostrando fotos, fatos e documentos. São 120
páginas de satisfação.
A
Maternidade Hilda Brandão, cujo nome é uma homenagem a esposa de Bueno Brandão,
o Presidente de Minas Gerais (não se usava o termo governador) foi a primeira maternidade
da nova capital, e no começo tinha médicos formados em Portugal, ainda que o
Brasil já formasse seus profissionais.
Foi
mostrado o uso da Roda dos Enjeitados ou Roda dos Expostos, que ficava na porta
dos conventos onde se colocava as crianças abandonadas. Existiam desde 1188 na França, mas não chegaram
a Belo Horizonte, sendo registrada, contudo, em Vila Rica de 1730.
As
fotos-relíquias despertam curiosidade e são uma atração para todos. Uma delas
mostra a primeira criança que nasceu em Belo Horizonte, em 12 de dezembro de
1897, sendo a menina chamada de Minas Horizontina. Na época, as mulheres tinham
um recato exagerado, e sumiam quando chegavam visitas, pois poderia atrapalhar
o futuro casamento. A consulta médica era feita em frente à família, e o médico
não tocava na paciente. As formulações eram individuais e não se acreditava em
remédios feitos em série. Acompanhar o parto, uma atividade exclusivamente feminina,
ficava a cargo das parteiras e freiras obstetras, e apenas quando surgia uma
complicação o médico era chamado. Ter filho no hospital era considerado uma
excentricidade. Destaque dado ao trabalho das freiras também nos cursos de
formação de auxiliares e à Faculdade de Enfermagem.
A
Casa de Caridade e depois Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte foi
fundada em 21 de maio de 1899. Fotos de cirurgias de médicos com gorro, avental
de mangas curtas, com e sem luvas, sem máscara, com roupas usadas lá fora, sangue
em profusão, quando não havia antibiótico nem noções de esterilização são
surpreendentes. Como se conduzia um parto, a evolução da cesariana, as
primeiras e em que situação acontecia são revelações de peso. A simples lavação
de mãos não era óbvia. Foi preciso implantá-la.
Os
primeiros aparelhos de fórceps para auxiliar no parto são impressionantes. Os
grandes médicos são nomes de Ruas, Praças e Avenidas importantes, assim como denominaram
áreas hospitalares e auditórios da Associação Médica. Portanto, a capital não
se esqueceu do seu passado. Tudo estava por ser feito, e apenas os fortes
seriam capazes de concretizar o que era necessário. Inacreditável a capacidade
de mobilização e construção de pessoas como Hugo Werneck, chegado à capital em
1906, pois se mostrou um empreendedor que idealizava, conseguia recursos e
concretizava novas entidades assistenciais e hospitalares, além de demonstrar uma
generosidade incomum. Na Santa Casa nada cobrava.
Hugo
Werneck foi um dos primeiros obstetras a atuar em Minas, fez a primeira
cesariana documentada em fotos, construiu a maternidade, o Asilo Afonso Pena (antes
Asilo de Inválidos), Hospital São Lucas (sendo pago bancava as outras casas), Sanatório
para tuberculose, um hospital para doentes mentais e um orfanato, criando um
complexo de seis unidades. As construções iam surgindo por doações, enquanto a
Medicina progredia. Destaque ao formalismo e à elegância das pessoas em seu comportar
e trajar para o trabalho na saúde.
Tempo
de Nascer, de Manoel Hygino é um bom livro, por isso precisa ser visto, lido e
comentado. Fazendo isso aprendemos como se faz História. E isso será apenas o
começo.
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