Você
já mentalizou uma palavra na cabeça e repetiu-a mentalmente várias vezes? Notou
como ela perde o sentido? Comigo aconteceu com o futebol, a política e a
religião. Torci apaixonadamente para o Flamengo durante uns 10 anos. Havia
reciprocidade só do lado do torcedor. De tanto repetir a paixão roxa, a torcida
pelo rubro-negro se esvaziou. O mesmo ocorreu pela seleção brasileira masculina
de futebol e pelo esporte de um modo geral. Fiz jornalismo. Formei-me em 2003.
Trabalhei apaixonada e operacionalmente por 10 anos seguidos em serviços
alternativos religiosos.
Vivi, em junho de 2009, o acórdão do ministro do
Supremo do Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, baixar a medida que retirou a
obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, o que
precarizou em demasia a atividade outrora profissional e hoje bastante técnica.
O esgotamento completo foi em meados de julho de 2013. Ao invés de descansar, parti
para trabalhar em um hotel. Durei três anos e meio. Portanto, fui proativo
durante 13 anos e meio. Por mais que mudemos de função, a repetição intensa
operacional diferente era tamanha que o esgotamento mental e físico também se
deu. Além disso, raramente consigo voltar aos locais de trabalho em que passei.
A
rotina maçante da religião, da política e do futebol através dos meios de
comunicação social nos joga em um mar sem sentidos e sem sentimentos. A gente
torce, torce, torce, trabalha, trabalha, trabalha, vota, vota, vota para tudo
permanecer na mesma situação ou pior. Você muda em infinitas oportunidades, torna-se
uma “metamorfose ambulante” (na famosa expressão emblemática de Raul Seixas) e
nada cria, nada perde, nada transforma, apenas reproduz o que está aí há
milênios. São 34 natais e nada muda. Já faz quatro anos que praticamente não consigo
celebrar o Natal.
O
chefe da propaganda nazista de Adolf Hitler, Paul Joseph Goebbels (1897-1945),
ensinava que uma ideia dita inúmeras vezes na cabeça das pessoas se tornava uma
verdade. Comigo aconteceu o inverso. De tanto eu estar rodeado sempre pelos
mesmos serviços e fatos cotidianos, o esgotamento humano se fez sentir. O
ceticismo tomou conta de minha pessoa. A forma seriada como os contextos se
desenvolvem na sociedade capitalista contemporânea nos faz ser uma “metamorfose
ambulante” reificadora de relações sociais reprodutoras dos mesmos conceitos.
Em
25 de julho de 2016, segunda-feira, curiosamente Dia do Trabalhador Rural, sei
lá, tive uma espécie de surto psicótico. Fui à psiquiatra pela primeira vez.
Ela me diagnosticou com embotamento afetivo. Aí me pergunto: será esse um
sintoma meu individual ou um sintoma de uma sociedade doente? Quando ando pelas
ruas urbanas da cidade onde nasci, sinto os mesmos sintomas intimistas. As
pessoas não mais se cumprimentam em público. Não têm tempo para nada. Estão
sempre cheias de compromissos inadiáveis. São raras as expressões de
afetividade na sociedade capitalista.
Talvez
por isso o movimento homo-afetivo seja tão bem-vindo. Porém, os adeptos desse
movimento não se manifestam politicamente. Não são politizados, com raras
exceções. Seguem a cartilha do bom mocismo: casam-se, trabalham
disciplinadamente, respeitam as normas capitais, alugam apartamentos, honram
seus compromissos sociais, pagam as suas contas em dia.
Lembra
daquela letra de música “Apesar de você”, de Chico Buarque, que ele compôs na
época da Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964-1985)? “Hoje você é quem manda/Falou,
tá falado/Não tem discussão, não/A minha
gente hoje anda/Falando de lado/E olhando pro chão, viu/Você que inventou
esse estado/E inventou de inventar/Toda a escuridão/Você que inventou o pecado/Esqueceu-se
de inventar/O perdão/Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Eu pergunto a
você/Onde vai se esconder/Da enorme euforia/Como vai proibir/Quando o galo
insistir/Em cantar/Água nova brotando/E a gente se amando/Sem parar/Quando chegar
o momento/Esse meu sofrimento/Vou cobrar com juros, juro/Todo esse amor
reprimido/Esse grito contido/Este samba no escuro/Você que inventou a tristeza/Ora,
tenha a fineza/De desinventar/Você vai pagar e é dobrado/Cada lágrima rolada/Nesse
meu penar/Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Inda pago pra ver/O jardim
florescer/Qual você não queria/Você vai se amargar/Vendo o dia raiar/Sem lhe
pedir licença/E eu vou morrer de rir/Que esse dia há de vir/Antes do que você
pensa/Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Você vai ter que ver/A manhã
renascer/E esbanjar poesia/Como vai se explicar/Vendo o céu clarear/De
repente, impunemente/Como vai abafar/Nosso coro a cantar/Na sua frente/Apesar
de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Você vai se dar mal Etc.
e tal/Lá lá lá lá laia”.
Continuo
com a mesma impressão do Chico Buarque do período ditatorial brasileiro. Não
mudo de opinião. Na democracia, “a minha gente hoje anda/Falando de lado/E olhando pro chão, viu”. Quer dizer: a
minha gente hoje anda olhando pro chão, desconfiada de tudo e de todos,
tateando uma tela de vidro eletrônica. Não ri. Fica séria o tempo todo. Apenas
os espaços privados estão reservados à alegria em família.
Em
05 de maio de 2018, celebraremos os 200 anos de nascimento de Karl Heinrich
Marx (1818-1883). Ao estudar a religião ou as atividades espirituais, Marx,
muito incompreendido ao afirmar aquela frase que ficou mais famosa que o seu
texto completo de ser a religião o ópio do povo, analisou que a religião é o
suspiro da criatura acabrunhada, fruto de relacionamentos sociais sem coração e
sem espírito. É preciso ressaltar que Karl Marx nasceu no século XIX, em uma
família de classe média alemão-judaica, no período em que um papa chegou a
declarar que o maior erro da Igreja católica foi ter perdido o contato com a
classe operária.
A
internet e as redes sociais nos fazem ser proativos, trabalhadores manuais, o
que dificulta o nosso foco em uma atividade intelectual, como ler um livro, produzir
arte, centrar-se naquela leitura atenta e prazerosa. Desde já peço desculpas se
meu texto está com um discurso e comportamento desorganizados, esquizofrênicos.
Ultimamente tenho tido como métodos organizar e bagunçar meus objetos pessoais
a todo instante. Portanto, estou esquizofrênico ainda. Sou de origem de uma
classe média, mimada sim, que nasceu e cresceu com mais liberdade, brincou na rua, em um bairro chamado de Funcionários. Isso mesmo, bairro constituído de trabalhadores. Tenho um
caráter mais firme, ora conservador, ora libertário. Se não consigo um
determinado objetivo, deixo pra lá, perco, coleciono mais derrotas que vitórias, e caminho “do jeito que a vida quer”,
como canta Benito di Paula.
Não
sei quando este mal estar e este nó na garganta vão passar. Sempre me sinto mais seguro em eventos coletivos do
que em eventos festivos particulares, como aniversários e comemorações
familiares. Não gosto muito de solenidades. Sofro do mal de ser mais chegado em
movimentos sociais que buscam melhorar a sociedade contemporânea todo dia e não
só em épocas de gigante acordado. Consegui em 2017 participar novamente do
Grito dos Excluídos, apesar, assumo, de não ser excluído. Mas já viu pobre
gritar por seus direitos e deveres? Os postos de saúde estão vazios, sem
remédios, sem estrutura mínima. As pessoas desistem de ir nesses meios que
poderiam ser preventivos de saúde pública para procurar pelas farmácias comerciais.
Está
tudo muito estranho. Parece que estamos vivendo os fantasmas da Revolução
Bolchevique Russa de 07 de novembro de 1917 ou a Grande Depressão de 1929 com a
quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque (EUA). No tratamento, chamam-me de
bipolar. Não entendo essa palavra. Se nosso cérebro tem dois pólos, o esquerdo (o
das emoções e que controla o lado direito do corpo) e o direito (o da razão e que
controla o lado esquerdo do corpo), como não ser bipolar, como não utilizar o materialismo
dialético e histórico como método de pesquisa teórico-prático, como não ser
marxista-leninista?
A partir daí, questiono: o embotamento afetivo ou anedonia (perda de prazer pela vida na sociedade contemporânea, portanto, capitalista) é uma doença mesmo ou é decorrente da sociedade em que vivemos?
João Renato Diniz Pinto
terça-feira, 26/12/2017, às 2h e 48min
Nenhum comentário:
Postar um comentário