ALVORADA

O SOL NASCE NO LESTE (VOSTOK) E PÕE-SE NO OESTE (EAST)

Frase

"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

Fatos

Gripe espanhola-estadunidense no início do século XX... Coronavírus no início do século XXI... Barragem de rejeitos minerários arrasa Mariana-MG em 05/11/2015... Barragem de rejeitos minerários arrasa Brumadinho-MG em 25/01/2019... Anderson Gomes e Marielle Franco são executados no Rio de Janeiro-RJ em 14/03/2018... Médicos ortopedistas são executados com 30 tiros em 30 segundos em restaurante na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro-RJ... (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...)(...) (...) (...)(...) (...) (...) E por aí vai...

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Perda de sentido

Você já mentalizou uma palavra na cabeça e repetiu-a mentalmente várias vezes? Notou como ela perde o sentido? Comigo aconteceu com o futebol, a política e a religião. Torci apaixonadamente para o Flamengo durante uns 10 anos. Havia reciprocidade só do lado do torcedor. De tanto repetir a paixão roxa, a torcida pelo rubro-negro se esvaziou. O mesmo ocorreu pela seleção brasileira masculina de futebol e pelo esporte de um modo geral. Fiz jornalismo. Formei-me em 2003. Trabalhei apaixonada e operacionalmente por 10 anos seguidos em serviços alternativos religiosos. 

Vivi, em junho de 2009, o acórdão do ministro do Supremo do Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, baixar a medida que retirou a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, o que precarizou em demasia a atividade outrora profissional e hoje bastante técnica. O esgotamento completo foi em meados de julho de 2013. Ao invés de descansar, parti para trabalhar em um hotel. Durei três anos e meio. Portanto, fui proativo durante 13 anos e meio. Por mais que mudemos de função, a repetição intensa operacional diferente era tamanha que o esgotamento mental e físico também se deu. Além disso, raramente consigo voltar aos locais de trabalho em que passei.

A rotina maçante da religião, da política e do futebol através dos meios de comunicação social nos joga em um mar sem sentidos e sem sentimentos. A gente torce, torce, torce, trabalha, trabalha, trabalha, vota, vota, vota para tudo permanecer na mesma situação ou pior. Você muda em infinitas oportunidades, torna-se uma “metamorfose ambulante” (na famosa expressão emblemática de Raul Seixas) e nada cria, nada perde, nada transforma, apenas reproduz o que está aí há milênios. São 34 natais e nada muda. Já faz quatro anos que praticamente não consigo celebrar o Natal.  

O chefe da propaganda nazista de Adolf Hitler, Paul Joseph Goebbels (1897-1945), ensinava que uma ideia dita inúmeras vezes na cabeça das pessoas se tornava uma verdade. Comigo aconteceu o inverso. De tanto eu estar rodeado sempre pelos mesmos serviços e fatos cotidianos, o esgotamento humano se fez sentir. O ceticismo tomou conta de minha pessoa. A forma seriada como os contextos se desenvolvem na sociedade capitalista contemporânea nos faz ser uma “metamorfose ambulante” reificadora de relações sociais reprodutoras dos mesmos conceitos.


Em 25 de julho de 2016, segunda-feira, curiosamente Dia do Trabalhador Rural, sei lá, tive uma espécie de surto psicótico. Fui à psiquiatra pela primeira vez. Ela me diagnosticou com embotamento afetivo. Aí me pergunto: será esse um sintoma meu individual ou um sintoma de uma sociedade doente? Quando ando pelas ruas urbanas da cidade onde nasci, sinto os mesmos sintomas intimistas. As pessoas não mais se cumprimentam em público. Não têm tempo para nada. Estão sempre cheias de compromissos inadiáveis. São raras as expressões de afetividade na sociedade capitalista.


Talvez por isso o movimento homo-afetivo seja tão bem-vindo. Porém, os adeptos desse movimento não se manifestam politicamente. Não são politizados, com raras exceções. Seguem a cartilha do bom mocismo: casam-se, trabalham disciplinadamente, respeitam as normas capitais, alugam apartamentos, honram seus compromissos sociais, pagam as suas contas em dia.


Lembra daquela letra de música “Apesar de você”, de Chico Buarque, que ele compôs na época da Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964-1985)? “Hoje você é quem manda/Falou, tá falado/Não tem discussão, não/A minha gente hoje anda/Falando de lado/E olhando pro chão, viu/Você que inventou esse estado/E inventou de inventar/Toda a escuridão/Você que inventou o pecado/Esqueceu-se de inventar/O perdão/Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Eu pergunto a você/Onde vai se esconder/Da enorme euforia/Como vai proibir/Quando o galo insistir/Em cantar/Água nova brotando/E a gente se amando/Sem parar/Quando chegar o momento/Esse meu sofrimento/Vou cobrar com juros, juro/Todo esse amor reprimido/Esse grito contido/Este samba no escuro/Você que inventou a tristeza/Ora, tenha a fineza/De desinventar/Você vai pagar e é dobrado/Cada lágrima rolada/Nesse meu penar/Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Inda pago pra ver/O jardim florescer/Qual você não queria/Você vai se amargar/Vendo o dia raiar/Sem lhe pedir licença/E eu vou morrer de rir/Que esse dia há de vir/Antes do que você pensa/Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Você vai ter que ver/A manhã renascer/E esbanjar poesia/Como vai se explicar/Vendo o céu clarear/De repente, impunemente/Como vai abafar/Nosso coro a cantar/Na sua frente/Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Você vai se dar mal Etc. e tal/Lá lá lá lá laia”. 

             
Continuo com a mesma impressão do Chico Buarque do período ditatorial brasileiro. Não mudo de opinião. Na democracia, “a minha gente hoje anda/Falando de lado/E olhando pro chão, viu”. Quer dizer: a minha gente hoje anda olhando pro chão, desconfiada de tudo e de todos, tateando uma tela de vidro eletrônica. Não ri. Fica séria o tempo todo. Apenas os espaços privados estão reservados à alegria em família.

Em 05 de maio de 2018, celebraremos os 200 anos de nascimento de Karl Heinrich Marx (1818-1883). Ao estudar a religião ou as atividades espirituais, Marx, muito incompreendido ao afirmar aquela frase que ficou mais famosa que o seu texto completo de ser a religião o ópio do povo, analisou que a religião é o suspiro da criatura acabrunhada, fruto de relacionamentos sociais sem coração e sem espírito. É preciso ressaltar que Karl Marx nasceu no século XIX, em uma família de classe média alemão-judaica, no período em que um papa chegou a declarar que o maior erro da Igreja católica foi ter perdido o contato com a classe operária.

A internet e as redes sociais nos fazem ser proativos, trabalhadores manuais, o que dificulta o nosso foco em uma atividade intelectual, como ler um livro, produzir arte, centrar-se naquela leitura atenta e prazerosa. Desde já peço desculpas se meu texto está com um discurso e comportamento desorganizados, esquizofrênicos. Ultimamente tenho tido como métodos organizar e bagunçar meus objetos pessoais a todo instante. Portanto, estou esquizofrênico ainda. Sou de origem de uma classe média, mimada sim, que nasceu e cresceu com mais liberdade, brincou na rua, em um bairro chamado de Funcionários. Isso mesmo, bairro constituído de trabalhadores. Tenho um caráter mais firme, ora conservador, ora libertário. Se não consigo um determinado objetivo, deixo pra lá, perco, coleciono mais derrotas que vitórias, e caminho “do jeito que a vida quer”, como canta Benito di Paula.

Não sei quando este mal estar e este nó na garganta vão passar. Sempre me sinto mais seguro em eventos coletivos do que em eventos festivos particulares, como aniversários e comemorações familiares. Não gosto muito de solenidades. Sofro do mal de ser mais chegado em movimentos sociais que buscam melhorar a sociedade contemporânea todo dia e não só em épocas de gigante acordado. Consegui em 2017 participar novamente do Grito dos Excluídos, apesar, assumo, de não ser excluído. Mas já viu pobre gritar por seus direitos e deveres? Os postos de saúde estão vazios, sem remédios, sem estrutura mínima. As pessoas desistem de ir nesses meios que poderiam ser preventivos de saúde pública para procurar pelas farmácias comerciais.


Está tudo muito estranho. Parece que estamos vivendo os fantasmas da Revolução Bolchevique Russa de 07 de novembro de 1917 ou a Grande Depressão de 1929 com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque (EUA). No tratamento, chamam-me de bipolar. Não entendo essa palavra. Se nosso cérebro tem dois pólos, o esquerdo (o das emoções e que controla o lado direito do corpo) e o direito (o da razão e que controla o lado esquerdo do corpo), como não ser bipolar, como não utilizar o materialismo dialético e histórico como método de pesquisa teórico-prático, como não ser marxista-leninista?    

A partir daí, questiono: o embotamento afetivo ou anedonia (perda de prazer pela vida na sociedade contemporânea, portanto, capitalista) é uma doença mesmo ou é decorrente da sociedade em que vivemos?      

João Renato Diniz Pinto
terça-feira, 26/12/2017, às 2h e 48min

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