POR Pabllo Vittar
Enquanto
a nata empresarial do tráfico de drogas compra sua cara cocaína e cheira-a com
champagne nos condomínios fechados, o operariado do mercado paralelo é mais
fraterno e, mesmo assim, sabe ri com as imensas dores da vida. O traficante tem
cinco passagens pela polícia. Apronta. Peita os seguranças que tiveram quitados
pelo governo pimentécio corrupto os seus salários e proventos, enquanto
professores e aposentados receberão apenas em abril de 2018 todas as esquartejadas
parcelas salariais duramente pagas quando exerciam o seu ofício. E a hipócrita
sociedade contemporânea capitalista dita democrática homenageia a professora
que salvou as crianças do incêndio na escola infantil sucateada de Janaúba, no Norte
de Minas Gerais.
O
traficante estava armado: com uma faca. Mas foi ele o atingido. Está na
Policlínica Alpheu Gonçalves de Quadros, lotada como sempre, sem equipamentos
suficientes, com trabalhadores da saúde super-pressionados e impossibilitados
de prestarem um serviço decente. A namorada de 17 anos espera o moço. Mulher
crê no impossível. Por isso têm fé inabalável. Não é crença de templos
religiosos ou doutrinários. É simplesmente fé. Diria São Paulo: acreditei, por
isso falei. Espera, espera, espera. Nada do namorado chegar.
Ouve
um senhor negro viciado em crack declamar seus problemas. “Quem vê cara não vê
coração”. “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”, sabe de cor ditados
populares passados de geração em geração, a nossa sabedoria milenar sertaneja, o
aparente drogado bem vestido e de aparelho de telefone celular que diz ser um
investigador, colaborador da “puliça” e que deseja salvar a sua família. Ama o
seu netinho. “Família é sagrada”, declara raivosamente o homem possivelmente
viciado em crack.
Não
para de falar. Desabafa. O policial militar aparece de soslaio. Teme ser alvejado.
Atende o celular e corre pelas ruas. A cada moto, carro e ambulância que sai
das garagens e passa pela rua, ele pensa ser um indício de perigo. Está sem
comer e sem beber água há dias. Só caminha. Largou o trabalho e sua bicicleta
cargueira para procurar o que restou de sua família: seu neto, que já é
aviãozinho do tráfico de drogas e cresce como nunca na vida. Já tem carro,
casa, mulher gostosa e ouve funk no seu mais novo empreendimento: o condomínio
fechado do Parque do Independência ou Morte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário