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"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

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terça-feira, 13 de julho de 2010

Ética Profissional: Um Debate Reflexivo na Educação Infantil

por professor Antônio Alvimar Souza, s.d.

O presente artigo tem como objetivo discutir a questão da Ética e sua relação com a educação infantil. Entendemos não ser possível pensar um projeto educacional sem levar em consideração questões pertinentes que orientem a vida do ser humano. Questões em torno do problema axiológico têm sido colocadas na atualidade. Afinal, que tipo de ser humano propomos para nossas relações cotidianas? A reflexão em torno de Questões Éticas indicará possíveis soluções e ajudará a abrir espaços para uma discussão madura sobre as possibilidades de uma educação que coloque na pauta do cotidiano da sala de aula questões de profunda relevância para a educação das crianças.

Palavras Chaves: Ética, Educação, Humano, Sociedade

A questão colocada pelo texto permeia as discussões que têm sido feitas nas últimas décadas. Afinal, o tema da Ética tem ocupado lugar central em diversos meios de comunicação. As prateleiras das livrarias estão cheias de novas publicações. Jornais ocupam páginas inteiras dedicadas ao tema da Ética. As situações embaraçosas do cotidiano instigam a necessidade de pensarmos as cenas que dilaceram a vida humana.

Nos espaços institucionais, professores têm reivindicado a volta da Ética para a sala de aula e para os currículos escolares. Tal iniciativa tem o intuito de provocar uma discussão na sociedade sobre a necessidade de recolocar uma ordem de valores que ajude na educação do ser humano. Sentimos a necessidade de pensar uma conduta que seja viável para a sociedade e os indivíduos que nela vivem.

A questão da Ética torna-se pertinente na atualidade. Uma pergunta tem pairado entre aqueles que lidam diretamente com crianças, adolescentes e jovens no universo educacional. Quais os valores que devemos seguir na educação e orientação para uma formação mais sólida dos seres humanos? É verdade que encontramos defensores do relativismo, ou seja, de propostas que se aproximam de uma indiferença axiológica.

O desmoronamento da cosmovisão cristã contribuiu de maneira significativa para o desmantelamento da visão de ser humano. Durante vários séculos, o cristianismo colaborou para a construção de uma ideia de ser humano que fosse pautada na perspectiva do Ser Divino. Na verdade, o ser humano havia sido feito à imagem e semelhança de Deus. Esta ideia sagrada do ser humano o colocava em um lugar privilegiado. Tal privilégio colocava o humano em situação de destaque em toda a obra da criação como ser colocado no universo para tudo dominar.

O afastamento de Deus da vida das pessoas implicou no desmoronamento de uma ordem de valores cristãos que secularmente havia orientado a vida de muitos seres humanos. Muitos entenderam que a ordem de valores vigente representava uma imposição de um universo religioso que necessitava ser desfeito. Ao criticar as distorções e o uso indevido do cristianismo, acabaram por rejeitar uma construção que viabilizou a integração de vários povos. Assim sendo, valores importantes como Amor, Solidariedade, Amizade e Compaixão foram vistos como sentimento dos fracos.

Entendemos que se torna impossível educar sem referênciais que norteiem a arte de ensinar. O ser humano não se isola em uma ilha pessoal. O mesmo se insere em uma sociedade que exige uma disponibilidade para viver com aqueles que ocupam os mesmos espaços sociais. Estamos a todo tempo socializando nossa vida. Nosso existir no planeta coloca-nos em relação com os demais seres portadores de vida que nos rodeiam. Neste sentido, penso ser necessário pontuar o quanto progredimos no entendimento do conceito de vida nestes últimos séculos.

Parece ficar evidente que uma perspectiva puramente biológica pouco a pouco foi sendo ocultada em função de uma reflexão simbólica sobre o sentido da vida. Neste sentido, a vida deixa de ser apenas um movimento, que carrega as perspectivas do mover, nutrir e crescer para se manifestar como fenômeno da construção consciente do homem no mundo.

A perspectiva fundada na biologia reduzia o entendimento da vida a uma pura dimensão fisiológica. Esta mesma vislumbrava o ser humano como animal e o colocava na mesma cadeia em que figurava qualquer outro portador da vida. É verdade que o ser humano se coloca na mesma linhagem dos outros viventes, mas o mesmo se diferencia por ser também uma construção de significados. Não podemos reduzir o mesmo a apenas suas funções fisiológicas.

Creio ser extremamente pobre pensar o humano apenas como um vivente qualquer na ordem do universo. A perspectiva fundada na compreensão simbólica tomou corpo no decorrer da história da construção do conceito de Humanidade no Ocidente. A valorização do humano toma lugar no entendimento e na construção simbólica do ser humano. Entendemos que “a Humanidade é aquilo em virtude do que o homem é homem; e em homem é homem não porque tem os princípios individuais, mas porque tem os princípios essências da espécie”.

A humanidade nos coloca dentro de um universo de iguais. Esta igualdade não se estabelece apenas por uma soma matemática, mas pelo reconhecimento de pertencermos em um mesmo universo de significações. Penso que a igualdade não se estabelece por poder fazer o que queremos dentro do universo comum, mas na capacidade de respeitar o universo de possibilidades de convivência comum. Compartilhamos um mesmo universo cultural e este mesmo nos faz participes do mesmo mundo de representações.

O respeito torna-se princípio fundamental para o entendimento entre os seres humanos. Entendemos por respeito a capacidade de trazer o outro para perto do peito. Assim, o respeito se relaciona com a arte milenar do cuidado. "Res" indica para o sentido de coisa. No nosso caso, não se trata de uma coisa mórbida. Não se trata de uma coisa inerte e imóvel, mas de um outro que se desloca em direção a mim. "Peito", por sua vez, lembra a palavra latina "plexus", isto é, de onde a mãe amamenta seus filhos.

O respeito nos remete à nossa mãe. Direciona a vida humana para a origem da vitalidade, isto é, daquela que é portadora do sentido profundo da existência. O cuidado, em seu sentido mais profundo, se aproxima da fonte primária do ser que se manifesta na totalidade do universo. O cuidado se relaciona com o mistério do próprio existir do ser humano no planeta.

Entendemos que torna-se impossível educar sem que tenhamos uma ordem valorativa que indique o caminho que devemos trilhar. Muitos educadores reivindicam o fato de estarmos em uma sociedade laica para rechaçar os valores que até então orientaram a cultura ocidental. Penso ser necessário ponderar que o fato de vivermos em uma sociedade laica não nos credencia a abandonar uma ordem de valores que orientem a educação das crianças nas escolas da atualidade.

Laico não quer dizer ausência de valor, mas quer indicar que a sociedade poderá se orientar por outros valores que não venham do mundo sagrado, isto é, do mundo cristão que até a Idade Média havia orientado os pilares do mundo cristão no ocidente.

Penso haver uma confusão por parte dos educadores, quando os mesmos jogam para fora do universo educacional uma série de valores que orientaram a possibilidade de consolidação da imagem de humano que hoje encontramos em destaque no universo em que habitamos. Não podemos esquecer que o humano que se encontra à nossa volta é uma construção de milhares de anos de todo um processo educacional. Lembra-nos JAEGER que "todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à pratica da educação".

A educação não é uma propriedade individual, mas o esforço de toda a coletividade para criar uma sociedade que seja viável para todos. Recorda ainda JAEGER que "a educação participa na vida e no crescimento da sociedade, tanto no seu destino exterior como na sua estruturação interna e desenvolvimento espiritual e uma vez que o desenvolvimento social depende da consciência dos valores que regem a vida humana, a história da educação está essencialmente condicionada pela transformação dos valores válidos para cada sociedade".

Destacamos que não existe um processo educacional desvinculado de uma ordem de valores que orientem o destino dos seres humanos no universo. Entendia os gregos que, da dissolução da ordem, provinha a debilidade. A debilidade indicava para a vulnerabilidade da ordem social. Esta fragilidade possibilitava, por sua vez, a emergência da desmedida. A desmedida é, por sua vez, opositora da justa medida.

Sendo assim, os gregos procuravam, na medida de suas possibilidades, indicar um universo que incluísse uma dinâmica de respeito que garantisse a continuidade da história de seu povo. A instabilidade na ordem dos valores não indicará de forma alguma a ausência de uma ordem normativa. A mesma tornará possível a emergência de uma nova ordem que oriente a conduta de cada indivíduo no interior da sociedade.

A apelação para o estabelecimento de um "kaos axiológico" prejudica a estabilidade do ordenamento institucional e impede uma educação saudável para a cidadania plena. Parece ficar evidente que "da dissolução e destruição das normas advém a debilidade, a falta de segurança e até a impossibilidade absoluta de qualquer ação educativa". A escola não poderá fugir da responsabilidade de propor uma reflexão sobre os valores que devem orientar a vida dos educandos. Não podemos colocar, em um espaço de sala de aula, uma quantidade de seres humanos, quando a escola e os educadores não têm clareza de que valores indicar para os formandos.

O ideal educacional clássico é, sem sombra de dúvida, aristocrático, ou seja, educa-se para os valores mais nobres da vida social. Essa perspectiva parece ter sido mal compreendida por diversos educadores. Nas últimas décadas, profissionais da educação fizeram um confronto ideológico expulsando do espaço educacional valores cívicos, humanos, religiosos e morais, indicando os mesmos como burgueses. Educadores, de diversas partes do mundo, viram nos valores transmitidos no decorrer da história do ocidente apenas desdobramentos de uma ordem autoritária que necessitava ser desmontada em função de comportamentos mais livres.

Assim sendo, cabia aos mesmos expulsar dos ambientes educacionais os valores burgueses, pois estes representavam interesses do capitalismo e do cristianismo. Creio não ser novidade o fato de, em alguma ocasião, já se ter ouvido dizer que um ato de elegância representava "frescura".

Passamos a conviver com cenas deselegantes no cotidiano. Expressões que indicavam polidez foram se tornando raras nas relações do dia-a-dia. Assim sendo, passamos a ouvir com raridade expressões como "Bom dia", "Com licença", "Por favor", "Obrigado".

A crise de valores que se arrasta na atualidade não é nova. Muitos, ao percebê-la, demonstram espanto e admiração. Outros denunciam a situação chamando a atenção para a inércia dos que mostram pouca sensibilidade para detectar as mudanças em andamento. Um dos críticos desse processo de corrosão dos valores foi SOREN KIERKEGAARD. Outros críticos ponderaram sobre o desmonte do modelo de sociedade até então presente no ocidente.

BOFF, refletindo sobre a ideia de crise, assinala que "as estrelas-guias que nos orientaram começaram a se desagregar. Esgotaram-se as possibilidades daquele arranjo existencial. As convicções que davam sentido a seus empreendimentos e criavam um cenário ordenado começaram a se desarticular. Urge romper, cortar laços e rasgar uma perspectiva nova”.

Parece ficar marcado a ideia de descontinuidade que vem se desenhando nos últimos séculos no ocidente. Entendemos que a crise que hora se manifesta não é nova. Seu rasto vem deixando marcas silenciosas em várias gerações. Pondera ainda BOFF que o sentido da palavra "crise" remete para uma perspectiva positiva pois, "a palavra sânscrita para crise é 'kri' ou 'kir', que significa 'desembaraçar', 'purificar',
'limpar'.

Todo processo de purificação guardava uma ideia dolorosa, pois os mesmos reservavam um ritual de crueldade. Assim, desde a antiguidade, se recordava as dores do parto e a dureza da morte. Os ritos de passagem lembravam a separação e a dolorosa experiência de ruptura com o passado. A ideia de perda trazia na memória do ser humano a desconfortável sensação de aniquilamento do presente. Este aniquilamento infunde no humano o medo do fluxo da vida.

A instabilidade da vida propõe aos humanos a tarefa de preservar valores que contribua para a permanência de sua estirpe no planeta. Não vivemos somente de coisas materiais. A nossa presença no mundo exige uma construção axiológica. São estes valores que permitem a preservação de nossa casa comum. Não nascemos humanos, mas somos moldados pela ordem valorativa que nos cerca. Esta ordem valorativa nos é transmitida pela educação coletiva que recebemos no decorrer de nossa vida. Fica então evidente que o ser humano, ao nascer, já encontra uma ordem de valores.

A ordem de valores que encontramos é uma construção coletiva que moldamos no decorrer de nossa existência. Compreendemos ser impossível educar sem uma ordem de valores que oriente o sentido da vida humana no planeta. Sendo assim, visualizamos e entendemos que a escola é este espaço de transmissão de valores necessários para a continuidade do ser humano no planeta. O educador torna-se agente responsável não só pela transmissão dos conteúdos, mas também pela transmissão de uma ordem de valores imprescindível para a manutenção de uma ordem social saudável.

Valores não devem ser impostos, mas discutidos coletivamente. O entendimento deste indicativo possibilita o surgimento da ideia de que não podemos viver em sociedade sem princípios que orientem nossa conduta coletiva. Não vivemos no Estado de Natureza, isto é, onde cada um institui suas leis e modo de vida. No decorrer da história, avançamos para um universo do Contrato e das Leis. sendo assim, temos o compromisso de viver civilizadamente com aqueles que estão à nossa volta.


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