ALVORADA

O SOL NASCE NO LESTE (VOSTOK) E PÕE-SE NO OESTE (EAST)

Frase

"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

Fatos

Gripe espanhola-estadunidense no início do século XX... Coronavírus no início do século XXI... Barragem de rejeitos minerários arrasa Mariana-MG em 05/11/2015... Barragem de rejeitos minerários arrasa Brumadinho-MG em 25/01/2019... Anderson Gomes e Marielle Franco são executados no Rio de Janeiro-RJ em 14/03/2018... Médicos ortopedistas são executados com 30 tiros em 30 segundos em restaurante na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro-RJ... (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...)(...) (...) (...)(...) (...) (...) E por aí vai...

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O príncipe, o rei e o fim

Dois livros foram lançados sobre reais ídolos do futebol brasileiro nestes tempos históricos. Um em 2014. “O príncipe, a real história de Dirceu Lopes”, de Pedro Blank. E o outro. “Punho cerrado, a história do rei”, de Philipe Van R. Lima.




Dirceu Lopes se desenvolveu sob o brilhantismo da célebre conquista do Cruzeiro da Taça Brasil de 1966. Jogou sempre como um príncipe ao lado de outros craques como Tostão e Piazza. Mesmo sacaneado por presidentes ditadores militares facínoras, como Emílio Garrastazu Médici e técnicos dissimulados como Mário Jorge Lobo Zagallo, Dirceu Lopes manteve a simplicidade e a humildade que lhe é peculiar e a classe herdada da cidade onde nasceu: Pedro Leopoldo. Soube como nunca alegrar torcedores e não dirigentes esportivos, os mercenários do futebol. O seu autógrafo demonstra sua timidez e sua vontade pelo trabalho coletivo. Assina a seus fãs com um abraço fraterno.  

Viveu a angústia de ser convocado para a Copa do Mundo de 1970. Mas ingerências estatais o tiraram de sua merecida Copa do Mundo e retiraram o seu sonho de jogar ao lado de Pelé e Jairzinho. O título do Cruzeiro em 1966 e a potência azul daqueles anos forçaram o Atlético-MG a montar equipes também briosas, como a Campeã Brasileira em 1971. De lá foi trabalhada a genialidade de Reinaldo, outro jogador do interior e que sobreviveu aos comandos estadunidenses da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985).

Crítico cultural e teórico da literatura brasileira, autor do livro “Alegorias da derrota”, Idelber Avelar, em artigo intitulado “Reinaldo e a Ditadura Militar”, introduz muito bem aquele período. “A história dos atritos entre o Galo e a ditadura militar começou em 1969, quando o ditador Emílio Garrastazu Médici exigiu a convocação de Dario, nosso Dadá Maravilha, para a Seleção Brasileira. João Saldanha, o João Sem Medo, então técnico da Seleção e homem de conhecidas ligações com o Partido Comunista, retrucou com a célebre frase: ‘o presidente escala o ministério dele que eu escalo o meu time’. Ela foi um dos estopins de sua demissão e substituição por Zagallo, figura bem mais dócil, obediente e antenada com o poder. Levando a equipe que Saldanha já havia armado, acrescida de mínimas modificações, como o recuo de Piazza para a zaga, Zagallo conquistou o tricampeonato de 1970 no México com Dadá no banco, sem atuar um minuto sequer. A vontade do ditador havia sido satisfeita” (página 240).

Foi nesse clima que se trabalhava no Brasil com imenso medo de repressão governamental. O arrocho salarial era gigantesco. O Brasil crescia sob a exploração intensa dos trabalhadores. As pequenas e médias empresas pagavam o custo de existir e eram suplantadas pelas grandes empresas e multinacionais, que tinham incentivos fiscais para entrar no país.

Mesmo sob essa repressão, os jogadores de futebol resistiram. Mas, à medida que iam entrando em questões político-econômico-sociais, os jogadores eram marginalizados. E foi o que aconteceu com Reinaldo. O craque de jogadas geniais comemorava os seus gols com o punho direito erguido e o braço esquerdo nas costas. Poucas pessoas tiveram a coragem de Reinaldo. Até o técnico Telê Santana repreendeu Reinaldo pelo gesto e não o convocou para a Copa do Mundo de 1986.

Naquela época, a marca Ping-Pong fez a coleção de figurinhas de jogadores de futebol se expandir pelo Brasil. O Futebol Cards de Reinaldo é o de número 427. Vem com sua imagem de jovem jogador, o seu primeiro nome e o clube ao qual ele pertencia: Clube Atlético Mineiro. No verso, o seu nome completo: José Reinaldo de Lima, nascimento em 11 de janeiro de 1957, em Ponte Nova, Minas Gerais. Tinha 1 metro e 73 centímetros de altura. Pesava 69 quilos. Sua posição era a de centroavante. Havia defendido, antes do Atlético-MG, a equipe do Pontenovense. Ganhou os títulos de Campeão Mineiro em 1976 e 1978 e de Campeão da Taça Minas Gerais de 1975 e 1976.       

As curiosidades sobre Reinaldo revelam que ele “veio de Ponte Nova, sua cidade de origem, diretamente para o Atlético, onde começou sua carreira em 1971. É um jogador rápido, de características sempre ofensivas. Para ele, a conscientização profissional e o zelo pela boa condição física são fundamentais na carreira de um jogador. Seu passatempo predileto é o jogo de xadrez. Caso não jogasse futebol, Reinaldo gostaria de ser médico. Ele considera o gol mais bonito de sua carreira, o que marcou frente ao América de Natal em 1978”.

O autógrafo de Reinaldo carrega toda a pressão exercida sobre os verdadeiros heróis do período. “Punho cerrado, a história do rei” é “a história de luta e alegria de ser atleticano” (Montes Claros, Norte Sertanejo de Minas Gerais, 26 de maio de 2017), de ser atlético, de ser perfeito intelectual e fisicamente, de ser olimpiano.

O fim da carreira do Rei implica em uma série de questionamentos do mesmo. Ele fica nu. “Reinaldo foi se isolando cada vez mais. O fim prematuro da carreira deixou o craque sem rumo, sem saber o que fazer da vida. Não sabia como preencher aquele vazio que estava tomando conta de seus dias. Desnorteado, passou a aceitar convites para participar de várias festas. Ele era o centro das atenções, muito querido pela torcida, e isso o ajudava a se sentir melhor. Mesmo assim, a tristeza pelos problemas que passava era grande, e Reinaldo acabou sendo vítima fácil para a mais difícil adversária que viria a enfrentar em sua vida: ‘Eu estava em uma festa quando apareceu aquele ‘indesejável penetra’, como dizíamos. Alguém me ofereceu cocaína e, pela primeira vez, aceitei experimentar. Depois disso, usei outras vezes, geralmente em festas. Sempre nos refugiávamos com uma turminha em um quarto ou banheiro para cheirar. Nas primeiras vezes, era algo mais eventual, depois foi ficando mais frequente, até a dependência...’” (páginas 196 e 197).

O êxtase que os seus gols provocavam nele, na torcida e na mídia foi transferido para a cocaína. Depois de recuperado do vício, Reinaldo investiu na militância política e na abertura democrática ampla, geral e irrestrita. Foi deputado estadual e vereador. Seu depoimento sobre essa experiência é cativante. “Mais tarde, quando comecei a fazer manifestações políticas, caí em um processo maquiavélico. Ganhei inimigos e de todas as maneiras, fui sabotado. Eu tinha consciência de que incomodava, mas como é que iria combater um inimigo anônimo, subterrâneo? Eu me posicionei e sofri todas as retaliações de pessoas que queriam criar falsas opiniões sobre mim. Eu sabia que era adorado pela torcida, mas não tinha a consciência de manipular e instrumentalizar esse apoio para questões políticas. Naquela época era mais aquela coisa de você jogar a questão e sair, não existia debate. Eu me manifestava, mas não podia ficar pondo a cara. A gente via que existia um anseio pela democracia. A abertura já havia começado, mas as manifestações ainda eram contidas. Todo mundo tinha medo. Ser conhecido me protegia. A ditadura fez muito mal pra gente, tolheu nossa liberdade, consciência. Hoje a gente vê a democracia e percebe que ela é quase que desperdiçada, não se tem uma visão social como deveria” (páginas 222 e 223).


Dirceu Lopes só incomodou zagueiros e foi incomodado pelos políticos. Reinaldo incomodou zagueiros e os políticos. Ambos sabem que o caminho é pelo socialismo, pois o desenvolvimento das forças capitalistas de produção já permite satisfazer as necessidades vitais dos nove bilhões de seres humanos do Planeta Terra. Por que isso não ocorre? Pergunte às religiões, aos políticos, à ciência, aos bancos, às operadoras de cartão de crédito, às financeiras.

O autor do livro do Rei dedica o livro "ao meu pai, com admiração". Fiquem então "naquela mesa" ou com "o mundo é um moinho", de Angenor de Oliveira, o legítimo Cartola (1908-1980), recordando que o mestre do samba compôs a letra da música para uma conhecida dele que estava lhe informando que entraria para a difícil vida da prostituição. Ou seja, nunca escutem músicas fora de seu contexto político, econômico e social.        

Nenhum comentário: