Dois
livros foram lançados sobre reais ídolos do futebol brasileiro nestes tempos
históricos. Um em 2014. “O príncipe, a real história de Dirceu Lopes”, de Pedro
Blank. E o outro. “Punho cerrado, a história do rei”, de Philipe Van R. Lima.
Dirceu
Lopes se desenvolveu sob o brilhantismo da célebre conquista do Cruzeiro da
Taça Brasil de 1966. Jogou sempre como um príncipe ao lado de outros craques
como Tostão e Piazza. Mesmo sacaneado por presidentes ditadores militares facínoras,
como Emílio Garrastazu Médici e técnicos dissimulados como Mário Jorge Lobo
Zagallo, Dirceu Lopes manteve a simplicidade e a humildade que lhe é peculiar e
a classe herdada da cidade onde nasceu: Pedro Leopoldo. Soube como nunca
alegrar torcedores e não dirigentes esportivos, os mercenários do futebol. O
seu autógrafo demonstra sua timidez e sua vontade pelo trabalho coletivo.
Assina a seus fãs com um abraço fraterno.
Viveu
a angústia de ser convocado para a Copa do Mundo de 1970. Mas ingerências
estatais o tiraram de sua merecida Copa do Mundo e retiraram o seu sonho de jogar
ao lado de Pelé e Jairzinho. O título do Cruzeiro em 1966 e a potência azul
daqueles anos forçaram o Atlético-MG a montar equipes também briosas, como a
Campeã Brasileira em 1971. De lá foi trabalhada a genialidade de Reinaldo,
outro jogador do interior e que sobreviveu aos comandos estadunidenses da
Ditadura Militar Brasileira (1964-1985).
Crítico
cultural e teórico da literatura brasileira, autor do livro “Alegorias da
derrota”, Idelber Avelar, em artigo intitulado “Reinaldo e a Ditadura Militar”,
introduz muito bem aquele período. “A história dos atritos entre o Galo e a
ditadura militar começou em 1969, quando o ditador Emílio Garrastazu Médici
exigiu a convocação de Dario, nosso Dadá Maravilha, para a Seleção Brasileira.
João Saldanha, o João Sem Medo, então técnico da Seleção e homem de conhecidas
ligações com o Partido Comunista, retrucou com a célebre frase: ‘o presidente
escala o ministério dele que eu escalo o meu time’. Ela foi um dos estopins de
sua demissão e substituição por Zagallo, figura bem mais dócil, obediente e
antenada com o poder. Levando a equipe que Saldanha já havia armado, acrescida
de mínimas modificações, como o recuo de Piazza para a zaga, Zagallo conquistou
o tricampeonato de 1970 no México com Dadá no banco, sem atuar um minuto
sequer. A vontade do ditador havia sido satisfeita” (página 240).
Foi
nesse clima que se trabalhava no Brasil com imenso medo de repressão
governamental. O arrocho salarial era gigantesco. O Brasil crescia sob a
exploração intensa dos trabalhadores. As pequenas e médias empresas pagavam o
custo de existir e eram suplantadas pelas grandes empresas e multinacionais,
que tinham incentivos fiscais para entrar no país.
Mesmo
sob essa repressão, os jogadores de futebol resistiram. Mas, à medida que iam
entrando em questões político-econômico-sociais, os jogadores eram
marginalizados. E foi o que aconteceu com Reinaldo. O craque de jogadas geniais
comemorava os seus gols com o punho direito erguido e o braço esquerdo nas
costas. Poucas pessoas tiveram a coragem de Reinaldo. Até o técnico Telê
Santana repreendeu Reinaldo pelo gesto e não o convocou para a Copa do Mundo de
1986.
Naquela
época, a marca Ping-Pong fez a coleção de figurinhas de jogadores de futebol se
expandir pelo Brasil. O Futebol Cards de Reinaldo é o de número 427. Vem com
sua imagem de jovem jogador, o seu primeiro nome e o clube ao qual ele
pertencia: Clube Atlético Mineiro. No verso, o seu nome completo: José Reinaldo
de Lima, nascimento em 11 de janeiro de 1957, em Ponte Nova, Minas Gerais.
Tinha 1 metro e 73 centímetros de altura. Pesava 69 quilos. Sua posição era a
de centroavante. Havia defendido, antes do Atlético-MG, a equipe do
Pontenovense. Ganhou os títulos de Campeão Mineiro em 1976 e 1978 e de Campeão
da Taça Minas Gerais de 1975 e 1976.
As
curiosidades sobre Reinaldo revelam que ele “veio de Ponte Nova, sua cidade de
origem, diretamente para o Atlético, onde começou sua carreira em 1971. É um
jogador rápido, de características sempre ofensivas. Para ele, a
conscientização profissional e o zelo pela boa condição física são fundamentais
na carreira de um jogador. Seu passatempo predileto é o jogo de xadrez. Caso
não jogasse futebol, Reinaldo gostaria de ser médico. Ele considera o gol mais
bonito de sua carreira, o que marcou frente ao América de Natal em 1978”.
O
autógrafo de Reinaldo carrega toda a pressão exercida sobre os verdadeiros
heróis do período. “Punho cerrado, a história do rei” é “a história de luta e
alegria de ser atleticano” (Montes Claros, Norte Sertanejo de Minas Gerais, 26 de maio de 2017), de ser atlético, de ser perfeito intelectual e
fisicamente, de ser olimpiano.
O
fim da carreira do Rei implica em uma série de questionamentos do mesmo. Ele
fica nu. “Reinaldo foi se isolando cada vez mais. O fim prematuro da carreira
deixou o craque sem rumo, sem saber o que fazer da vida. Não sabia como
preencher aquele vazio que estava tomando conta de seus dias. Desnorteado,
passou a aceitar convites para participar de várias festas. Ele era o centro
das atenções, muito querido pela torcida, e isso o ajudava a se sentir melhor.
Mesmo assim, a tristeza pelos problemas que passava era grande, e Reinaldo
acabou sendo vítima fácil para a mais difícil adversária que viria a enfrentar
em sua vida: ‘Eu estava em uma festa quando apareceu aquele ‘indesejável
penetra’, como dizíamos. Alguém me ofereceu cocaína e, pela primeira vez,
aceitei experimentar. Depois disso, usei outras vezes, geralmente em festas.
Sempre nos refugiávamos com uma turminha em um quarto ou banheiro para cheirar.
Nas primeiras vezes, era algo mais eventual, depois foi ficando mais frequente,
até a dependência...’” (páginas 196 e 197).
O
êxtase que os seus gols provocavam nele, na torcida e na mídia foi transferido
para a cocaína. Depois de recuperado do vício, Reinaldo investiu na militância política e na abertura democrática ampla, geral e irrestrita. Foi deputado
estadual e vereador. Seu depoimento sobre essa experiência é cativante. “Mais
tarde, quando comecei a fazer manifestações políticas, caí em um processo
maquiavélico. Ganhei inimigos e de todas as maneiras, fui sabotado. Eu tinha consciência
de que incomodava, mas como é que iria combater um inimigo anônimo,
subterrâneo? Eu me posicionei e sofri todas as retaliações de pessoas que
queriam criar falsas opiniões sobre mim. Eu sabia que era adorado pela torcida,
mas não tinha a consciência de manipular e instrumentalizar esse apoio para
questões políticas. Naquela época era mais aquela coisa de você jogar a questão
e sair, não existia debate. Eu me manifestava, mas não podia ficar pondo a
cara. A gente via que existia um anseio pela democracia. A abertura já havia
começado, mas as manifestações ainda eram contidas. Todo mundo tinha medo. Ser
conhecido me protegia. A ditadura fez muito mal pra gente, tolheu nossa
liberdade, consciência. Hoje a gente vê a democracia e percebe que ela é quase
que desperdiçada, não se tem uma visão social como deveria” (páginas 222 e 223).
Dirceu
Lopes só incomodou zagueiros e foi incomodado pelos políticos. Reinaldo
incomodou zagueiros e os políticos. Ambos sabem que o caminho é pelo
socialismo, pois o desenvolvimento das forças capitalistas de produção já
permite satisfazer as necessidades vitais dos nove bilhões de seres humanos do
Planeta Terra. Por que isso não ocorre? Pergunte às religiões, aos políticos, à
ciência, aos bancos, às operadoras de cartão de crédito, às financeiras.
O autor do livro do Rei dedica o livro "ao meu pai, com admiração". Fiquem então "naquela mesa" ou com "o mundo é um moinho", de Angenor de Oliveira, o legítimo Cartola (1908-1980), recordando que o mestre do samba compôs a letra da música para uma conhecida dele que estava lhe informando que entraria para a difícil vida da prostituição. Ou seja, nunca escutem músicas fora de seu contexto político, econômico e social.
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