ALVORADA

O SOL NASCE NO LESTE (VOSTOK) E PÕE-SE NO OESTE (EAST)

Frase

"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

Fatos

Gripe espanhola-estadunidense no início do século XX... Coronavírus no início do século XXI... Barragem de rejeitos minerários arrasa Mariana-MG em 05/11/2015... Barragem de rejeitos minerários arrasa Brumadinho-MG em 25/01/2019... Anderson Gomes e Marielle Franco são executados no Rio de Janeiro-RJ em 14/03/2018... Médicos ortopedistas são executados com 30 tiros em 30 segundos em restaurante na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro-RJ... (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...)(...) (...) (...)(...) (...) (...) E por aí vai...

sábado, 18 de novembro de 2017

O Sequestro do Cerrado

“Um grita em falsete: mais pó!, no que é acompanhado por um inesperadamente bem afinado coro. Mais pó! Mais pó! E veio mais pó, agora entregue por garçons e garçonetes em pequenos saquinhos plásticos de 200 gramas. A temperatura se aproxima da fervura. E a fervura é finalmente atingida quando alguém pede ao maestro a música que se tornou em todo o país o símbolo maior do tempo-pós nas medianas mentes: Viver e não ter a vergonha de ser feliz...”. Página 121 do livro “O Sequestro da Amazônia - sexo, drogas e ecologia (ou O Casamento de Nietzsche com Foucault no Inferno Verde)”, do professor Leovegildo Pereira Leal, Belo Horizonte, 2006, 1ª Edição; capa e projeto gráfico: José Augusto da Silveira Filhoilustração de capa: Rodrigo Spotorno

O Sequestro do Cerrado: Sexo, Drogas e Ecologia, o casamento de Nietzche com Foucault no deserto verde

Rosa não reconheceu o seu sertão quando viu lá do céu aquele monte de monocultura do eucalipto e notava aquele bocado de proletários casados e caracterizados de senhoras perfeitas e senhores competentes debaixo de sol quente e condicionados a ares artificiais da sociedade multicultural globalizada sem pé, nem cabeça. “Onde estão as minhas veredas?”, esbravejou e fez ventar, relampejar, trovejar e chover na região. Representantes comerciais lotavam hotéis no Norte de Minas Gerais. Seu meio de transporte principal era o avião e alugavam carros para conhecer novos ares de comunicação. Entendiam de exploração de mineração e de cuidar daquela planta pontiaguda que mais parecia com um falo humano.

Reservavam e chegavam de surpresa nos hotéis, a partir das 18h, bem na hora da troca de turno, pediam um lanche rápido, tomavam banho, assistiam aos jogos da TV a cabo, dormiam e saiam logo cedo, banhavam-se e sentavam-se à mesa para simples e forte café da manhã para plantar, reflorestar e devastar. Eram verdadeiros trabalhadores da Vinha do Senhor. Até os patrões se comportavam de acordo com o padrão trabalhista.

Detestavam os Prates perfumados que se hospedavam nos quartos 69, perdiam perfumes caros e desesperavam-se, transavam com mulheres da vida, comiam e bebiam do frigobar e saiam malandramente antes que o recepcionista pudesse cobrar a conta, tudo conforme a educação formal. Os Prates queriam comer em pratos limpos, porém se sujavam facilmente no instante da sua limpeza diária, como defecar, urinar e escovar os dentes.

Prates adora sair nas Festas de Agosto para tocar tambor com seriedade, de cara brava e fechada, como se estivessem a cumprir um ritual cabalístico e não a verdadeira alegria da religiosidade popular e do Canto das Três Raças.

Tupinambás também eram acolhidos. Cheiravam a gambás, no entanto, disfarçados de catopês, marujos, caboclinhos e de operários da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) construíam imensas barragens, esperavam a chuva enchê-las, poluíam-nas de rejeitos tóxicos, em área bastante rural do Brejo das Almas, e proibiam a população triste de remanescentes de quilombos de utilizá-las. Até Russo ficou aflito quando esteve frente a frente com aqueles Tupinambás respeitosos de cabelos embranquecidos supostamente defensores dos mais oprimidos e que guerreavam como ninguém para manter intacta a tradição, a família e a propriedade.

Acusavam os pastoralistas Moura, Gomes, Horta, De Oliveira, Da Silva, Alemão, Rodrigues, Dias, Queiroz Carvalho, Santa Rosa, Santos Silva, Martins, Moreira de Arruda, Da Costa, Marques, Alves, De Souza, Faggi de causar desordem à ordem pública “caricata e burlesca”. Até os Diniz Pinto viraram réus e um tal bispo novato de nome dom João Justino entrou na história. Eles eram machadianos, logo, realistas. Protestavam e lutavam contra a criminalização dos movimentos sociais e de pequenos agricultores, pesqueiros, vazanteiros, geraizeiros, atormentados pela invasão da vida na cidade sobre a vida no campo. “Ora, falam de cidadania, aqueles que habitam a cidade, e nós, camponeses, o que somos?”, reclamavam. O Focado Fernandes de Oliveira e o Proativo Soares Martins mudaram de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, para Riachos dos Machados. Compraram uma moto e fizeram a mudança eles mesmos. Soares observava tudo do lado de fora. Gonçalves, o geminiano, ria pura e cinicamente da situação. Já viveu aquilo ao seguir o exemplo da vida de guerrilheiro de um excelente artista.   

Amorim, um sonhador que trabalha enquanto sonha, hospedava-se constantemente no quarto 66. A televisão anal...lógica estava prestes a perder o sinal, mas sua estranha mania de burlar a recepção, não. O casal homem negro malhado e mulher branca loira obesa e com educação burguesa desenvolviam a farra quando se aconchegavam no quarto 99: era sexo, drogas, bebidas, pouca ecologia em um quarto fechado de hotel que a Justiça não pode entrar, porque é espaço particular, mesmo se não concluído o pagamento.

Borges chegava sempre em sua picapinha branca e observava que o posto ao lado maltratava a legislação ambiental ao lavar com muita água os restos de óleo combustível e espalhá-los na rua. As bandas de trio-elétrico se abrigavam logo nos quartos para fumar o cigarrinho do capeta. E muitas histórias virão depois. Trabalhar em hotéis é viajar sem sair do lugar.


Coletivus Urbanus 

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