por Geraldo
Ataíde
Meia noite, o côro
entoado de uma cantiga sem forma quebra o silêncio da hora final.
O rufar das
caixas, com qualquer coisa de místico e bárbaro, o tilintar dos pandeiros, o
côro lamentoso das violas, rabecas e gaitinhas de bambu formam ao lado da cantiga
sem forma um som profundo, uníssono, soturno, expressando bem a alma simples do
sertanejo semicivilizado.
É da despedida
dos catopês, marujos e caboclinhos que me refiro. O último dia da tradicional
festa, a última hora de uma voz saudosa que sente o desaparecimento desta
folgança. Faz pena!
Êste ano já não
houve cavalhada e deslocaram um dia de festejos. As bombas foram poucas,
foguetes quase nenhum. O elemento rural não compareceu. Não houve propaganda. O
“civilizado” se rebela contra esta coisa de dansantes e cavaleiros fantasiados.
Isto dispõe contra Montes Claros, dizem com empáfia. O clero, por sua vez,
recebe o “cobre” do rei, da rainha, dos juízes, etc. e condena a “palhaçada”.
Agora, vejamos:
o que podem estes homens fazer mais do que fazem? Onde receberam eles cultura,
instrução e educação artística para se exibirem melhor em palcos e cenários
diferentes? Que dia o poder público auxiliou esta gente e lhes aperfeiçoou o gôsto?
O Clero também, porque não protege a festa, já que o povo a quer? Ela não é
profana e dá à Igreja alguma renda.
Não, não acabem
com a “Festa de Agôsto”. Ela é a única festa popular de Montes Claros. Dansem, catopês,
teçam cipós, caboclinhos; naveguem, marujos; corram, cavaleiros! A diversão não
é privilégio de uma só classe - aquela que detém o dinheiro.
O povo, o
operário, o trabalhador rural e urbano precisam se expandir, necessitam
descarregar a libido ao menos nessas reuniões, cujo móvel é culto do
catolicismo, onde reina a paz, a amizade.
Onde não se vê a
faca de ponta, a garrucha, nem a pinga. Onde por alguns momentos se esquecem a
rudeza brutal da natureza do sertão. Ademais, o homem é animal social por
excelência, e numa zona como esta, de população pequena e espalhada, é mistér que
haja mesmo um ponto de reunião de indivíduos. Um contato direto destes com o
meio civilizado, a fim de que não amorteça (como acontece com o homem isolado)
o espírito de solidariedade humana, de cortezia, de arte, de educação.
É dever, como se
faz nos centros civilizados, é dever dos poderes públicos incentivar as festas
populares, subvencioná-las até, dar-lhes um cunho original para atração do
elemento de fora.
Que se improvizem
coretos, que se enfeitem as ruas, que haja música, que queimem girândolas e
façam as belíssimas demonstrações de fogos de artifícios, que muito agrada a
todos. Busquemos o exemplo em São Paulo, Rio, São Salvador, e, se quisermos, na
Europa.
A cidade não é
somente um entreposto de compra e venda. Lugar onde se busca o café, o sal, o querozene
e o remédio. Na cidade deve-se buscar algo de nuevo, de alegre, de bom. Coisas enfim que façam o homem mais amigo
e sincero, menos desconfiado, menos ganancioso e materializado.
Deixar a “Festa
de Agosto” com sua parcela de função social. Auxiliem-na, porque além do povo,
muita gente boa e civilizada gosta dela.
Não diz, mas
gosta...
Geraldo Ataíde
foi advogado e deputado estadual. Era casado com Maria da Conceição Prates.
Este artigo foi reproduzido à página 434 e 435 do livro “Montes Claros: sua
história, sua gente, seus costumes”, edição de 1960, organizado pelo médico,
historiador e folclorista Hermes Augusto de Paula
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