Hoje em dia, quando o compositor Geraldo Vandré é entrevistado, ele omite
que não fez a música “Caminhando e cantando” para ser hino popular contra a
Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964-1985). Como atualmente vive-se a
maioria dos casos fora de contexto histórico, a dita opinião pública e a massa
de manobra engole o fato como encerrado, sem estudá-lo a fundo.
“Caminhando e cantando” foi composta por Geraldo Vandré. Não sabemos ao
certo qual letra de música veio à sua mente primeiro. Ele ainda compôs “Disparada”
que é um protesto ao ministro de Defesa do vice-presidente eleito
democraticamente a presidente, João Belchior Marques Goulart (1818 também é o
ano de nascimento do presidente golpeado com a ajuda dos militares). O
nordestino cearense Humberto de Alencar Castelo Branco foi a primeira liderança
legalizada pelos militares após a madrugada de 1º de abril de 1964.
De acordo com esclarecimento do sacerdote
salesiano holandês Ben Strik, às páginas 262 e 263 do seu livro “Morrer para viver: a luta de Tito de Alencar
Lima contra a Ditadura Brasileira”, Brasilhoeve, 2009, “o poeta e cantor
Geraldo Vandré foi” um dos torturados pelo regime de exceção e de repressão. No
mesmo livro, há uma frase do capitão Albernaz sobre os métodos de violência
utilizados pelo militarismo brasileiro. “Se ele não abrir a boca dele, vamos quebrá-lo
moralmente. Nós aprendemos a fazer isso sem deixar sinais externos”, explica o
capitão Albernaz sua estratégia para ser um dos demônios psíquicos que levou o
frade dominicano Tito de Alencar Limar a se suicidar, em seu exílio na França,
por não suportar os fantasmas torturantes ditatoriais.
Apesar de não tocar no
assunto mais, Geraldo Vandré foi mais uma vítima da Ditadura Militar Brasileira
(1964-1985). O sacerdote salesiano holandês dedica páginas da sua obra para
esclarecer a questão. “Entre os brasileiros que tiveram de se refugiar
contavam-se muitos intelectuais e artistas. O poeta e cantor Geraldo Vandré foi
um deles, e proclamava de maneira sutil o que ele pensava dos generais. Tito
deve ter cantado centenas de vezes com seus colegas a ‘Disparada’ ou seu
grandioso hino ‘Caminhando e Cantando’. O primeiro é um canto de liberdade, ‘Prepare
o seu coração, pras coisas que vou contar...’ numa referência cara ao ditador
Castelo Branco. Vandré comparou-o com um fazendeiro, para o qual ele tinha que
trabalhar como vaqueiro. Em seu canto, Vandré declarava que estava farto e que
não ocuparia mais o posto de vaqueiro mandado. Ele, agora, via onde podiam
chegar as ordens do seu patrão e não ia mais obedecer. Os generais, de início,
não se deram conta de que esta e muitas outras canções populares eram
verdadeiros panfletos contra a ditadura. A esquerda, para protestar, aprendia a
ser mais esperta e sutil”, considera Ben Strik.
A respeito da segunda canção,
‘Pra não dizer que não falei de flores’, Vandré “denunciava a inutilidade da ‘guerra’
imposta pelos militares e a necessidade de se criar uma nova sociedade: ‘Vem,
vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz hora, não espera acontecer’.
Era o estribilho, encorajando a revolta e a busca de um mundo novo. A canção
foi cantada pela primeira vez por milhares de pessoas reunidas no
Macaranazinho, durante um festival de música popular no Rio de Janeiro. Todos
cantavam o estribilho. A multidão aplaudia e delirava”, relata o padre
holandês.
E em tempos de
pós-modernidade, quando funk, axé, forro universitário são as ondas do momento,
como está a qualidade da música brasileira? Temos repressão hoje em dia? Faltam
trabalho, saúde, educação, moradia, alimentação, vestuário? Tom Zé alerta que
as músicas contemporâneas nacionais fazem o brasileiro vibrar com o físico e
não com os sentimentos. E é verdade.
As músicas que fazem sucesso
no Brasil são de uma instantaneidade assustadora. Nascem e morrem cantores em
um passe de mágica. A Indústria Cultural impõe a toda hora músicas novas e que
devem ser apreciadas como se a gente estivesse em um estado de overdose a fumar
crack e maconha e a cheirar cocaína pro-ativamente.
É preciso anestesiar os
brasileiros, em seus dias de folga, dos problemas sociais, econômicos e
políticos com uma cultura musical que trabalhe e canse o seu físico, pois o seu
cérebro é massacrado diariamente no serviço. Não há incentivos para que os
brasileiros tenham um repertório cultural maior. Agenor de Oliveira, o Cartola,
trabalhava de pedreiro e foi também lavador de carros. Jamais foi um milionário
musical. Foi um dos maiores compositores e cantores da música popular
brasileira. Aprendeu a compor ao escutar o som das celebrações religiosas em
que participava. Não gostava de samba-enredo. Para ele, a letra de uma música
tem que surgir espontaneamente e da realidade social das pessoas.
Que realidade social é esta em que estamos inseridos que permitem letras
milionárias de funk, axé e forró universitário, de uma melosidade proibitiva
para qualquer diabético? Compare as letras de músicas que você ouve no Brasil
com esta magnífica letra de Geraldo Vandré, paraibano nordestino. Viva a
verdadeira liberdade!
Disparada
Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar
Aprendir a dizer não, ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo, a morte o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo pra consertar
Na boiada já fui boi, mas um dia me montei
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu
Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente, pela vida segurei
Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que um dia acordei
Então não pude seguir valente em lugar tenente
O dono de gado e gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto pra enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar
Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu, querer mais longe que eu
Nenhum comentário:
Postar um comentário