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sábado, 26 de agosto de 2017

Disparada, uma música contra a Ditadura Militar Brasileira (1964-1985)

Hoje em dia, quando o compositor Geraldo Vandré é entrevistado, ele omite que não fez a música “Caminhando e cantando” para ser hino popular contra a Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964-1985). Como atualmente vive-se a maioria dos casos fora de contexto histórico, a dita opinião pública e a massa de manobra engole o fato como encerrado, sem estudá-lo a fundo.

“Caminhando e cantando” foi composta por Geraldo Vandré. Não sabemos ao certo qual letra de música veio à sua mente primeiro. Ele ainda compôs “Disparada” que é um protesto ao ministro de Defesa do vice-presidente eleito democraticamente a presidente, João Belchior Marques Goulart (1818 também é o ano de nascimento do presidente golpeado com a ajuda dos militares). O nordestino cearense Humberto de Alencar Castelo Branco foi a primeira liderança legalizada pelos militares após a madrugada de 1º de abril de 1964.  

De acordo com esclarecimento do sacerdote salesiano holandês Ben Strik, às páginas 262 e 263 do seu livro  “Morrer para viver: a luta de Tito de Alencar Lima contra a Ditadura Brasileira”, Brasilhoeve, 2009, “o poeta e cantor Geraldo Vandré foi” um dos torturados pelo regime de exceção e de repressão. No mesmo livro, há uma frase do capitão Albernaz sobre os métodos de violência utilizados pelo militarismo brasileiro. “Se ele não abrir a boca dele, vamos quebrá-lo moralmente. Nós aprendemos a fazer isso sem deixar sinais externos”, explica o capitão Albernaz sua estratégia para ser um dos demônios psíquicos que levou o frade dominicano Tito de Alencar Limar a se suicidar, em seu exílio na França, por não suportar os fantasmas torturantes ditatoriais.

Apesar de não tocar no assunto mais, Geraldo Vandré foi mais uma vítima da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985). O sacerdote salesiano holandês dedica páginas da sua obra para esclarecer a questão. “Entre os brasileiros que tiveram de se refugiar contavam-se muitos intelectuais e artistas. O poeta e cantor Geraldo Vandré foi um deles, e proclamava de maneira sutil o que ele pensava dos generais. Tito deve ter cantado centenas de vezes com seus colegas a ‘Disparada’ ou seu grandioso hino ‘Caminhando e Cantando’. O primeiro é um canto de liberdade, ‘Prepare o seu coração, pras coisas que vou contar...’ numa referência cara ao ditador Castelo Branco. Vandré comparou-o com um fazendeiro, para o qual ele tinha que trabalhar como vaqueiro. Em seu canto, Vandré declarava que estava farto e que não ocuparia mais o posto de vaqueiro mandado. Ele, agora, via onde podiam chegar as ordens do seu patrão e não ia mais obedecer. Os generais, de início, não se deram conta de que esta e muitas outras canções populares eram verdadeiros panfletos contra a ditadura. A esquerda, para protestar, aprendia a ser mais esperta e sutil”, considera Ben Strik.

A respeito da segunda canção, ‘Pra não dizer que não falei de flores’, Vandré “denunciava a inutilidade da ‘guerra’ imposta pelos militares e a necessidade de se criar uma nova sociedade: ‘Vem, vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz hora, não espera acontecer’. Era o estribilho, encorajando a revolta e a busca de um mundo novo. A canção foi cantada pela primeira vez por milhares de pessoas reunidas no Macaranazinho, durante um festival de música popular no Rio de Janeiro. Todos cantavam o estribilho. A multidão aplaudia e delirava”, relata o padre holandês.

E em tempos de pós-modernidade, quando funk, axé, forro universitário são as ondas do momento, como está a qualidade da música brasileira? Temos repressão hoje em dia? Faltam trabalho, saúde, educação, moradia, alimentação, vestuário? Tom Zé alerta que as músicas contemporâneas nacionais fazem o brasileiro vibrar com o físico e não com os sentimentos. E é verdade.

As músicas que fazem sucesso no Brasil são de uma instantaneidade assustadora. Nascem e morrem cantores em um passe de mágica. A Indústria Cultural impõe a toda hora músicas novas e que devem ser apreciadas como se a gente estivesse em um estado de overdose a fumar crack e maconha e a cheirar cocaína pro-ativamente.

É preciso anestesiar os brasileiros, em seus dias de folga, dos problemas sociais, econômicos e políticos com uma cultura musical que trabalhe e canse o seu físico, pois o seu cérebro é massacrado diariamente no serviço. Não há incentivos para que os brasileiros tenham um repertório cultural maior. Agenor de Oliveira, o Cartola, trabalhava de pedreiro e foi também lavador de carros. Jamais foi um milionário musical. Foi um dos maiores compositores e cantores da música popular brasileira. Aprendeu a compor ao escutar o som das celebrações religiosas em que participava. Não gostava de samba-enredo. Para ele, a letra de uma música tem que surgir espontaneamente e da realidade social das pessoas.        

Que realidade social é esta em que estamos inseridos que permitem letras milionárias de funk, axé e forró universitário, de uma melosidade proibitiva para qualquer diabético? Compare as letras de músicas que você ouve no Brasil com esta magnífica letra de Geraldo Vandré, paraibano nordestino. Viva a verdadeira liberdade!

Disparada

Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar
Aprendir a dizer não, ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo, a morte o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo pra consertar
Na boiada já fui boi, mas um dia me montei
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu

Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente, pela vida segurei
Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que um dia acordei

Então não pude seguir valente em lugar tenente
O dono de gado e gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto pra enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar

Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, por qualquer coisa de seu

Por qualquer coisa de seu, querer mais longe que eu    

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