Isaías não diz que, no
futuro, os pobres da terra viverão em harmonia com os homens impetuosos. Pelo
contrário, a boca do profeta anuncia a justiça de Deus que sacia a fome dos
pobres e faz morrer o ímpio. Não há conciliação possível entre opressores e
oprimidos. O amor, porém, une os que colocam suas vidas na mesma direção. Do
lado de dentro dessas grades, encontram-se comunistas e cristãos. O que há de
comum entre nós? O mesmo amor à libertação do nosso povo. Não foi em torno de bancas
universitárias, dispostos a discutir questões teóricas, que nos encontramos.
Foi a luta que nos aproximou, traçando a
linha divisória entre os que defendem os interesses da burguesia e os que
assumem as aspirações do proletariado.
Deste lado, ficaram
vocês e ficamos nós. No entanto, cristãos e marxistas sempre foram considerados
pólos antagônicos. Não haveria entre nós mais coisas em comum do que a luta
pela justiça? Temos as mesmas raízes judaicas - Cristo e Marx eram judeus,
tributários da historicidade de seu povo. Para o Marxismo, houve, no início dos
tempos, uma sociedade comunista primitiva, na qual reinava a harmonia entre os
homens. Para o Cristianismo, houve, no início dos tempos, um paraíso, no qual
reinava pela harmonia entre os homens, a natureza e o Criador. Ao escolher-se
em detrimento de seu próximo, o homem quebrou, pelo pecado original, a unidade
genuína.
Ao apropriar-se do que
era comum, um grupo cindiu, pela acumulação primitiva, a sociedade em classes
antagônicas. Segundo o Marxismo, essa igualdade primordial só será recuperada
na futura sociedade comunista, enquanto o Cristianismo vislumbra a restauração
da unidade paradisíaca no Reino de Deus, onde “Deus mesmo estará com seu povo”
(Apoc. 21, 3). É através da história, configurada em sucessivos modos de
produção, que se criam condições de passagem do reino da necessidade para o
reino da liberdade.
Na história e pela
história, Deus se revela a seu povo e o convoca a construir o futuro de justiça
e de liberdade. O sujeito da história, na ótica de Marx, é o oprimido, a classe
mais espoliada ou - para usar uma analogia -, a mais crucificada pelo sistema
capitalista. Na revelação cristã, é o Crucificado quem liberta e salva. Aquele
que foi mais esmagado é o mais exaltado. Todo joelho se dobra a seu nome. No
entanto, o pecado impede o ser humano de realizar plenamente os desígnios de
Deus.
Presente nas
estruturas e nas instituições, o pecado desvia o processo histórico de seu rumo
libertador, e deita raízes no coração do homem, alienando-o. Do mesmo modo,
para Marx, a alienação cria o descompasso entre a nossa existência e a nossa
essência. Não vivemos o que somos e nem podemos ser o que gostaríamos de viver.
Para nós cristãos, essa adequação entre a essência e a existência é a Santidade.
Sabemos pela fé certas coisas que vocês buscam pela análise dialética.
A fé nos dá a
radiografia do momento histórico, mas sim o sentido último e absoluto da
história: o antagonismo de classe será suprimido e todos viverão como irmãos em
torno do mesmo Pai. Haverá igual partilha da comida e da bebida, como aqui na
Mesa Eucarística. Essa dimensão transcendente a Teoria Marxista não alcança.
Todavia, o mais importante, hoje, entre nós é amarmos os oprimidos. No dia da
ressurreição, Ele dirá aos que não tiveram fé: tive fome e me destes de
comer... tive sede e me destes de beber...”. Vocês indagarão: “quando foi,
Senhor, que o vimos com fome?... com
sede?...” E o Rei lhes responderá: “O que fizestes a um desses pequeninos foi a
mim mesmo que o fizestes”.
Texto e informações
retirados do livro “Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de Carlos
Marighella”, de autoria de Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto,
Editora Civilização Brasileira, 4ª Edição, 1982, páginas 213 e 214
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