ficção
e realidade
MINUTOS
DE PAZ
Quintino de Quadros
Vieira
“Na avenida Bias Fortes, o menino de
sete anos, pés no chão e roupas surradas, fica alguns minutos parado diante da
fachada da loja, admirado com tanto brilho. Não pronuncia sequer uma palavra e
depois, como se estivesse despertado de um sonho, desaparece entre os carros,
ao ver a imagem de um funcionário surgindo por trás da vidraça.” (jornal Estado de Minas, sábado, 13 de dezembro
de 2003)
Faltavam
quinze dias para o Natal de 2003. As vitrines das lojas do centro da capital
mineira já estavam enfeitadas. O menino de rua cumpria sua função: arrecadar
dinheiro para que os pais, desempregados há três anos, tivessem como comprar a
comida da casa. O garoto de sete anos se esforçava. Os carros paravam no sinal
e lá ia ele tentar a sorte grande. Porém, os vidros permaneciam todos fechados,
inaudíveis. Os motoristas dos automóveis, que ficavam com suas janelas ao ar
livre, eram aqueles que fumavam o seu cigarrinho e transpareciam o seu agradabilíssimo
senso de humor.
O menor
insistia. Sua flanelinha, meio limpa e meio suja, pousava sobre os vidros
escuros dos carros, onde se encontravam famílias de seres humanos, abarrotadas
de presentes natalinos. Até os veículos, que ignoravam o menino de rua, recebiam
uma mãozinha do pedaço da flanela que ainda tinha condições de prestar serviço.
A criança dobrava o seu pano e somente passava nos carros a parte limpa.
O sinal abriu.
Os carros saíram em
disparada. O garoto quase foi atropelado. Riscos da vida. Na
calçada, depara-se com uma vitrine em que existe uma árvore de Natal. Parecia
um sonho: escapar da morte e logo ver uma coisa tão bela. Suas luzes, suas
bolas e suas fitas transmitiam paz. Ah... era a única coisa que ele queria: um
momento de paz. Aquela árvore de Natal foi, por alguns minutos, a melhor fase
da sua pequena vida. Meros instantes o hipnotizaram.
Vê uma sombra.
Vem em sua direção. É Papai Noel?, pensa o garoto. Não... é apenas um empregado
da loja, provavelmente assalariado, vindo assustá-lo para que saísse de frente
da empreendimento comercial, como se ele pudesse quebrar a vidraça e roubar
alguma coisa. Aquilo ali o tirava da sua realidade e o colocava no terreno da
sua ficção. Ele acorda de seu sonho. Vermelho!, grita. É o sinal fechado. A sua
rubra esperança de voltar com algo para casa.
Quintino de Quadros
Vieira é somente escritor
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