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"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Segurança de Roberto Carlos envolvido em assassinatos

Sérgio Paranhos Fleury, graças à proteção do seu pai, começou a trabalhar na polícia do Rio de Janeiro aos 17 anos. Com 28 anos, ele foi nomeado chefe da polícia de São Paulo. No início da sua carreira foi, durante pouco tempo, segurança de Roberto Carlos, o Elvis Presley brasileiro. Um cargo que lhe caía bem ao gosto: proteger um ídolo popular rende sempre alguma forma de publicidade para o protetor. Fleury adorava publicidade.

 

Quando em 1968 os generais necessitavam de alguém para romper a resistência dos comunistas, Fleury foi indicado para a coordenação geral de um comando formado por todas as unidades dos serviços secretos da polícia e das Forças Armadas. O governo Médici acabava de impor o AI-5, que declarava o Brasil em estado de guerra interna: a ordem era matar para não ser morto. Para concretizar essa missão foi criada a Operação Bandeirantes (Oban) que a partir de maio de 1970 ficou conhecida como Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi).

 

Fleury recebeu à sua disposição um prédio devidamente apetrechado com câmaras de tortura, onde presos políticos passaram a ser interrogados. Tudo absolutamente oficial, inclusive com aprovação e conhecimento do governador Lauro Sodré, que participou festivamente da inauguração da Oban. Mais tarde, o governador se desculpou em público afirmando: “Eu era a favor do combate ao crime, não do incentivo ao crime!”. As técnicas de tortura adotadas no Brasil foram inspiradas por peritos em anti-insurgência da Coréia do Sul, França, Alemanha e da Agência de Segurança dos Estados Unidos (na sigla em inglês, CIA).

 

Fleury que, a estas alturas, já era conhecido pela brutalidade extrema que usava na repressão de criminosos comuns, com seu Esquadrão da Morte, recebeu ‘carta branca’ dos militares para transferir seus métodos para o tratamento de presos políticos. Sua equipe foi reforçada por alguns capitães, também ansiosos em fazer guerra contra os inimigos do Estado e reforçar sua carreira militar. Sérgio Fleury tinha 36 anos. A cartilha básica do coordenador do novo centro de operações da polícia política pode ser resumida pelas seguintes prioridades em sua receita de trabalho: “Submeter os suspeitos a tratamento especial, pela tortura, até que eles sejam completamente desmoralizados. Isto pode levar alguns dias, até que cheguem a uma confissão completa ou, em caso contrário, à morte.

 

O preso torturado tem que ser transformado num traidor. O choro do interrogado tem que ser transformado em palavras. Chorar é característico do animal que existe em cada um de nós. O choro deve, portanto, despertar o desespero e o máximo de angústia. Levar o suspeito ao desprezo de si mesmo, até reduzi-lo a nada. Fazer com que ele deseje separar-se do grupo ao qual pertence, por medo de nunca mais ser reconhecido pelo grupo. Levar o suspeito ao máximo do desespero, até ele concordar que a melhor saída para ele é morrer. O preso tem que ser trabalhado até que ele reconheça que é culpado de tudo. As torturas devem ser sempre dosadas com situações e referências eróticas. Mostrar aos torturados que eles não têm o menor valor nem para a pátria e nem para a Igreja, nem para ninguém. Tudo deve ser feito para a destruição completa de todos os ideiais do torturado, inclusive a poesia”.       

 

No início da Ditadura, em 1º de abril de 1964, os militares golpistas pensavam que poderiam atingir seus objetivos sem terem que aplicar violência física. Os agentes brasileiros eram enviados para cursos especiais na Inglaterra, onde deviam aprender as técnicas de destruição moral dos presos. Para isto eram usados aparelhos eletrônicos avançados: o preso era posto numa cela isolada e submetido a variações abruptas de temperatura, de incidência da luz e todo tipo de ruídos, até perder completamente o controle de si mesmo. Depois de 24 ou 48 horas recebia a sua primeira refeição. Uma hora depois, a segunda. Estas mudanças estranhas faziam o preso perder completamente a noção de tempo. Trata-se de um processo de desorientação para forçar o preso a confessar e a trair.

 

O general Sílvio Frota ficou conhecido por seu repúdio ao uso da violência física. Para ele o sistema inglês era aceitável e devia ser adotado. Mas esta técnica foi rapidamente abandonada. O agente Dan Mitrioni, da CIA, foi convidado a dar instrução a um grupo de 200 agentes brasileiros, em Belo Horizonte. Sua técnica era identificar os pontos mais sensíveis do corpo humano para serem torturados. Sua vida de instrutor de torturadores, entretanto, não durou muito. Em 1971 ele foi morto no Uruguai por guerrilheiros do Tupamaros. Mas os militares e agentes civis brasileiros já estavam preparados para iniciarem a prática sistemática da tortura, dando preferência evidente ao sistema ensinado pela CIA.

 

O Doi-Codi foi financiado por empresários. Foi o empresário dinamarquês, Henning Alber Boilesen, o primeiro a tomar a iniciativa. Ele criou um grupo de apoio, formado por empresários, que ficou conhecido como Ultra. Henning chegou mesmo a presenciar, pessoalmente, algumas sessões de tortura. Os fundos coletados pelo grupo Ultra eram usados para financiar as bonificações dos agentes torturadores. Quando estes conseguiam extorquir dos presos informações consideradas de grande valor recebiam um bônus pelo bom serviço prestado aos militares e aos empresários. Este método de recompensas tornou o comissário Fleury um homem rico. O empresário Henning foi morto a tiros de metralhadora por um comando guerrilheiro comunista, em plena rua, em São Paulo, a 15 de abril de 1971.

 

Um militar que ficou conhecido por suas façanhas como torturador foi o capitão Benone de Arruda Albernaz. Foi ele que, numa das sessões de tortura de Tito, berrou a frase que acompanhou Tito pelo resto da vida: “Nós sabemos como deixar marcas numa pessoa pelo resto da vida!”. Albernaz pode ser considerado como o braço direito de Fleury. Ele foi o torturador responsável por dois casos extremamente escabrosos de tratamento desumano de presos. O primeiro caso é o da tortura de Virgílio Gomes da Silva, ocorrido a 29 de setembro de 1969, Virgílio era um homem corpulento, de 36 anos de idade. Era boxeador e era também conhecido como participante da corrida de São Silvestre, na passagem do ano em São Paulo/SP. Era integrante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella. Quando o desceram, sagrando e exausto do pau-de-arara, cuspiu na cara dos seus algozes.

 

Como represália, Albernaz deu ordens para que ele fosse pisoteado por três militares até morrer. O seu sangue jorrou em repuxo, salpicando as paredes. Quando outros presos eram levados para a sala de interrogatórios, o capitão Albernaz gritava indicando-lhes as manchas na parede: “Você está vendo aquele sangue ali? Pois é sangue de um patriota. Você está sabendo o que está esperando por você aqui!”.

 

Mais terrível ainda foi o que Albernaz fez com a esposa de um preso comunista, que ele próprio tinha assassinado. Ela foi primeiro torturada com choques na cadeira do dragão, durante muitas horas. Não conseguiram fazê-la calar. Os torturadores trouxeram então para a sala sua filha Isabel, de quatro anos, e ameaçaram: “Se não falar, então acabou-se com a sua filha!”. Os pormenores deste fato eu desconheço, mas o que foi dito é mais do que suficiente para que se possa considerar os torturadores brasileiros como verdadeiros demônios.

 

Fonte: Páginas 500, 501, 502, 503 e 504 do livro “Morrer para viver: a luta de Tito de Alencar Lima contra a Ditadura Brasileira”, do padre salesiano Ben Strik, Brasilhoeve, Holanda, 2009

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