O
senhor sabe: tanta pobreza geral, gente no duro ou no desânimo. Pobre tem de
ter um triste amor à honestidade. São árvores que pegam poeira. A gente às
vezes ia por aí, os cem, duzentos companheiros a cavalo, tinindo e musicando de
tão armados – e, vai, um sujeito magro, amarelado, saía de algum canto, e
vinha, espremendo seu medo, farraposo: com um vintém azinhavrado no conco da
mão, o homem queria comprar um punhado de mantimento; aquele era casado, pai de
família faminta., página 88 do livro “Grande
Sertão: Veredas”,de João Guimarães Rosa,
Editora Nova Fronteira
Ao BRASIL, prenda mais fina quem é que ofertou?,
inquiro. Desde DONA TIBURTINA e o Amanuense Belmiro, Carlos Drummond de
Andrade
O livro “Emboscada de
Bugres: Tiburtina e a Revolução de 1930”, de autoria de Milene Antonieta Coutinho Maurício, Editora Imprensa
Oficial de Minas Gerais, 1986, faz-nos recordar o livro “100 Anos de Solidão”,
do escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), que retrata a luta
da Família Buendía em viver em paz em um povoado distante, lúdico e libertário chamado
Macondo, mas que constantemente sofre as agressões de conflitos entre liberais
e conservadores.
Dona Tiburtina de Andrade Alves nos faz
lembrar a personagem Úrsula Iguaran e Petra Cotes, que mesmo sob a alcunha de
liberal, tenta conservar os bons costumes sociais sem ser moralista demais,
provavelmente porque passou pelo sofrimento de um primeiro casamento em que o
marido vivia sem trabalho em uma época muito mais complicada (final do século
XIX e início do século XX), quando os preconceitos eram maiores e evidentes.
Dona Tiburtina tinha a caridade de Petra
Cotes. “Ninguém jamais ficou sabendo
que aquelas provisões eram mandadas por Petra Cotes, com a ideia de que a
caridade continuada era uma forma de humilhar quem a havia humilhado” (Márquez, 1967). E tinha a resistência, a força e a valentia de Úrsula Iguaran, a
matriarca dos Buendía. “O
menino viu uma mulher ajoelhada, com os braços abertos em cruz, num espaço
limpo, misteriosamente vedado à correria descontrolada da multidão. José
Arcádio depositou-o ali no mesmo instante em que desmoronava com o rosto
banhado em sangue, antes que o tropel colossal arrasasse com o espaço vazio,
com a mulher ajoelhada, com a luz do alto do céu da seca, e com o puto mundo
onde Úrsula Iguaran havia vendido tantos animaizinhos de caramelo” (Márquez,
1967).
Em Montes Claros/MG, Dona Tiburtina ganhou
homenagem como nome de rua após a linha férrea da privatizada Estação
Ferroviária Central do Brasil (hoje Ferrovia Centro Atlântida), já no Bairro
Operário-Cultural Morrinhos, lado oriental da cidade, talvez por isso
legitimada como defensora das classes menos favorecidas socialmente. O seu
segundo marido, o médico João Alves, batizou a praça em frente à Escola
Estadual Gonçalves Chaves, já no centro da cidade. As homenagens ao casal Dona
Tiburtina e a João Alves não se cruzam. São cortadas pela Rua São Francisco. Ou
isso quer significar que o casal mais integrou a sociedade norte-mineira do que
esfacelou os regionalismos. A Avenida Francisco Sá, a Rua Dom João Pimenta, a Rua
Bocaiuva, cenários onde se desenrolou a
disputa entre os adeptos do conservador Melo Viana e do liberal João Alves,
deveriam ser mais valorizados pelo município e região. Quando a Estação
Ferroviária Central do Brasil era estatal e possuía o Trem do Sertão, a
localidade era mais viva. Não sei por qual motivo um sociólogo é levado a
autorizar a venda da EFCB, a preço de banana, que trazia mais benefícios do que
malefícios regionais.
O atentado a Melo Viana foi intitulado
como uma emboscada de bugres. A última palavra é uma denominação dada pelos europeus
a indígenas que não eram cristãos. Dona Tiburtina foi muito mais cristã que
muita gente que professa o cristianismo. Mas optamos sempre em concordar com a
comodidade da versão oficial, nos dizeres de Machado de Assis, caricata e
burlesca. “A versão oficial, mil vezes
repetidas e reiteradas por todo o país e por tudo que era meio de divulgação
que o governo encontrou ao seu alcance, acabou se impondo: não houve mortos, os
trabalhadores tinham voltados satisfeitos para suas famílias, e a companhia
bananeira suspendia suas atividades enquanto a chuva não passasse” (Márquez,
1967).
Tiburtina foi uma índia sertaneja civilizada pelas dificuldades da vida.
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