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"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Dona Tiburtina ou 100 Anos de Solidão no Norte de Minas Gerais

O senhor sabe: tanta pobreza geral, gente no duro ou no desânimo. Pobre tem de ter um triste amor à honestidade. São árvores que pegam poeira. A gente às vezes ia por aí, os cem, duzentos companheiros a cavalo, tinindo e musicando de tão armados – e, vai, um sujeito magro, amarelado, saía de algum canto, e vinha, espremendo seu medo, farraposo: com um vintém azinhavrado no conco da mão, o homem queria comprar um punhado de mantimento; aquele era casado, pai de família faminta., página 88 do livro “Grande Sertão: Veredas”,de  João Guimarães Rosa, Editora Nova Fronteira
Ao BRASIL, prenda mais fina quem é que ofertou?, inquiro. Desde DONA TIBURTINA e o Amanuense Belmiro, Carlos Drummond de Andrade

O livro “Emboscada de Bugres: Tiburtina e a Revolução de 1930”, de autoria de Milene Antonieta Coutinho Maurício, Editora Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1986, faz-nos recordar o livro “100 Anos de Solidão”, do escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), que retrata a luta da Família Buendía em viver em paz em um povoado distante, lúdico e libertário chamado Macondo, mas que constantemente sofre as agressões de conflitos entre liberais e conservadores.
Dona Tiburtina de Andrade Alves nos faz lembrar a personagem Úrsula Iguaran e Petra Cotes, que mesmo sob a alcunha de liberal, tenta conservar os bons costumes sociais sem ser moralista demais, provavelmente porque passou pelo sofrimento de um primeiro casamento em que o marido vivia sem trabalho em uma época muito mais complicada (final do século XIX e início do século XX), quando os preconceitos eram maiores e evidentes.
Dona Tiburtina tinha a caridade de Petra Cotes. “Ninguém jamais ficou sabendo que aquelas provisões eram mandadas por Petra Cotes, com a ideia de que a caridade continuada era uma forma de humilhar quem a havia humilhado” (Márquez, 1967). E tinha a resistência, a força e a valentia de Úrsula Iguaran, a matriarca dos Buendía. “O menino viu uma mulher ajoelhada, com os braços abertos em cruz, num espaço limpo, misteriosamente vedado à correria descontrolada da multidão. José Arcádio depositou-o ali no mesmo instante em que desmoronava com o rosto banhado em sangue, antes que o tropel colossal arrasasse com o espaço vazio, com a mulher ajoelhada, com a luz do alto do céu da seca, e com o puto mundo onde Úrsula Iguaran havia vendido tantos animaizinhos de caramelo” (Márquez, 1967).      
Em Montes Claros/MG, Dona Tiburtina ganhou homenagem como nome de rua após a linha férrea da privatizada Estação Ferroviária Central do Brasil (hoje Ferrovia Centro Atlântida), já no Bairro Operário-Cultural Morrinhos, lado oriental da cidade, talvez por isso legitimada como defensora das classes menos favorecidas socialmente. O seu segundo marido, o médico João Alves, batizou a praça em frente à Escola Estadual Gonçalves Chaves, já no centro da cidade. As homenagens ao casal Dona Tiburtina e a João Alves não se cruzam. São cortadas pela Rua São Francisco. Ou isso quer significar que o casal mais integrou a sociedade norte-mineira do que esfacelou os regionalismos. A Avenida Francisco Sá, a Rua Dom João Pimenta, a Rua Bocaiuva, cenários onde se desenrolou a disputa entre os adeptos do conservador Melo Viana e do liberal João Alves, deveriam ser mais valorizados pelo município e região. Quando a Estação Ferroviária Central do Brasil era estatal e possuía o Trem do Sertão, a localidade era mais viva. Não sei por qual motivo um sociólogo é levado a autorizar a venda da EFCB, a preço de banana, que trazia mais benefícios do que malefícios regionais.
O atentado a Melo Viana foi intitulado como uma emboscada de bugres. A última palavra é uma denominação dada pelos europeus a indígenas que não eram cristãos. Dona Tiburtina foi muito mais cristã que muita gente que professa o cristianismo. Mas optamos sempre em concordar com a comodidade da versão oficial, nos dizeres de Machado de Assis, caricata e burlesca. “A versão oficial, mil vezes repetidas e reiteradas por todo o país e por tudo que era meio de divulgação que o governo encontrou ao seu alcance, acabou se impondo: não houve mortos, os trabalhadores tinham voltados satisfeitos para suas famílias, e a companhia bananeira suspendia suas atividades enquanto a chuva não passasse” (Márquez, 1967).      
Tiburtina foi uma índia sertaneja civilizada pelas dificuldades da vida.

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