Jornalistas, gráficos e empregados na
administração do jornal “Hoje em Dia” dispensados há mais um ano ocuparam na
manhã de quinta-feira (1º/06) a antiga sede da empresa, localizada no Bairro
Santa Efigênia, em Belo Horizonte. Os objetivos da ocupação são denunciar as
falcatruas envolvidas na venda do prédio, reveladas na delação da JBS, e chamar
a atenção para o calote do jornal, que até hoje não pagou aos mais de 100
trabalhadores o acerto de rescisão e nem o salário do último mês trabalhado,
além de outros direitos trabalhistas.
A
ocupação ocorreu às seis horas da manhã e contou com a fraternidade do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG), Sindicato dos
Gráficos, Sindicato dos Empregados na Administração de Jornais e revistas, Sindicato
Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG)
e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de
Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua-MG) e de
militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), da União
Nacional dos Estudantes (UNE) e do Levante Popular da Juventude.
“Esta é uma ocupação pacífica, não é uma
ocupação para posse do imóvel”, disse o então presidente do SJPMG, Kerison
Lopes, em discurso aos moradores e transeuntes. Ele informou que a intenção foi
denunciar à sociedade mineira a situação dos trabalhadores do “Hoje em Dia” e
exigir das autoridades a solução para o problema. “Queremos que os trabalhadores
que ajudaram a construir este jornal recebam seus direitos”, enfatizou.
A ocupação prosseguiu na sexta-feira (02/06),
quando uma assembleia avaliou a continuidade do movimento. À noite, houve debate
sobre a influência dos irmãos Aécio e Andrea Neves na imprensa mineira, com
participação do jornalista João Paulo Cunha e da presidente da Central Única dos
Trabalhadores de Minas Gerais (CUT-MG), Beatriz Cerqueira.
(Crédito
da foto: Isis Medeiros/Jornal “Brasil de Fato”)
Não era o que parecia ser
No edifício desocupado há quatro meses,
a imprensa pôde constatar algumas curiosidades, além de grande quantidade de
lixo, papéis, lotes de jornais, fios, materiais de informática etc, deixada
para trás quando o jornal mudou para a atual sede, no bairro Prado. Uma das
curiosidades foram as contas de água do prédio emitidas pela Companhia de
Saneamento de Minas Gerais (Copasa-MG), que se mantiveram constantes nos
últimos meses, embora o local esteja vazio desde fevereiro.
Outra curiosidade foi o painel plotado
na entrada que faz propaganda da reforma gráfica e editorial do jornal, quando
se tornou tabloide. Ele expôs para a posteridade o projeto ambicioso da empresa
que, ainda sob o comando da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd),
proprietária do jornal durante 22 anos, pretendia conquistar os leitores com
vários novos cadernos. Data da reforma: 19 de junho de 2012. Tiragem da “edição
histórica”, segundo notícia do próprio jornal: 100 mil exemplares. Pouco mais
de um ano depois, o jornal foi vendido.
Em setembro de 2013, a Iurd, proprietária
da Rede Record de Televisão e que sempre pareceu estar mais interessada na
gráfica do “Hoje em Dia”, na qual imprimia seu semanário “Folha Universal”,
cuja tiragem, distribuída gratuitamente, ultrapassava um milhão de exemplares, vendeu
o jornal ao Grupo Bel de Comunicação, dono de diversas emissoras de rádio em
Minas Gerais, entre elas a 98 FM. O negócio foi estimado em R$ 40 milhões,
segunda notícia da revista “Exame”.
“A Rede Record informa ter concluído a
operação de venda do controle acionário da Ediminas S/A- Editora Gráfica e
Industrial de Minas Gerais, sediada em Belo Horizonte, para o Grupo Bel, também
sediado na capital mineira”, informou comunicado do jornal divulgado no dia 10
de setembro de 2013.
Dizia ainda o comunicado. “Os grupos
Record e Bel já foram parceiros em outros negócios bem sucedidos envolvendo o
segmento da radiodifusão e seguem mantendo, com a negociação ora concluída, o
mesmo alto nível de relacionamento institucional e de respeito aos seus
colaboradores, fornecedores, clientes e parceiros comerciais”.
Segundo a Record, o Grupo Bel atuava no
mercado de comunicação e de entretenimento há 46 anos, tendo sido pioneiro em
radiodifusão no país, responsável por colocar no ar a primeira rádio FM estéreo
do Brasil e que desenvolvia, ao longo de sua história, projetos inovadores na
área de telecomunicações.
Em outro comunicado, publicado no site
oficial da empresa, o grupo Bel afirmava, “O jornal ‘Hoje em Dia’ agora faz
parte de nossa história de sucesso”. Todas estas eram informações oficiais,
públicas, propaganda, “para o mercado”. Não correspondiam à realidade, porém,
como revelou a delação do empresário Joesley Batista, proprietário da JBS. Nos
bastidores, corrupção, campanha eleitoral e benefícios fraudulentos a empresas
privadas, sempre à custa de dinheiro público, eram as verdadeiras causas dos
negócios envolvendo o “Hoje em Dia”, que não apareciam nas notícias.
Após a delação soube-se que, cinco meses
antes do Grupo Bel comprar o jornal das mãos dos bispos da TV Record, o governo
de Minas Gerais, então comandado pelo hoje senador Antonio Augusto Junho Anastasia,
desapropriou um imóvel da Rádio Del Rey, que pertence à família proprietária do
Grupo Bel.
A desapropriação custou R$ 1 milhão e 90
mil aos cofres públicos e o pagamento foi realizado em junho de 2013. O
Sindicato apurou que o valor inicial proposto para o terreno foi R$ 572 mil e
que, posteriormente, foi aumentado para R$ 1 milhão e 90 mil. Cabe aos
procuradores e à Polícia Federal investigar se a desapropriação foi uma maneira
de o governo mineiro ajudar a financiar, com dinheiro público, a compra do
jornal. Os fatos são que a desapropriação milionária aconteceu às vésperas do
negócio e que no ano seguinte o jornal apoiou sem nenhum pudor as candidaturas
dos tucanos Aécio Neves da Cunha à presidência e Pimenta da Veiga para
governador.
Embora não fosse o único jornal mineiro
a tomar partido a favor de Aécio, o “Hoje em Dia” destacou-se ao publicar uma
pesquisa que, na contramão de todas as outras pesquisas de opinião, dava
favoritismo ao tucano. Publicada como manchete no portal do jornal no dia 14 de
outubro, a notícia foi usada imediatamente na propaganda eleitoral do
candidato. O episódio provocou críticas nas redes sociais e a demissão do
jornalista Aloísio Morais do “Hoje em Dia”, acusado de compartilhar informações
que prejudicavam a empresa. Aloísio, que trabalha no jornal há 28 anos e é
diretor do Sindicato, entrou na justiça e ganhou em todas as instâncias. Depois
de 22 meses, foi reintegrado, por determinação judicial, em setembro de 2016.
Venda do jornal e do predinho
Após a derrota dos candidatos apoiados
pelo jornal, o “Hoje em Dia” entrou numa fase de decadência. Relatos de
jornalistas informam que os proprietários do Grupo Bel pareciam desinteressados
do veículo e não cuidavam nem da manutenção do prédio. Ao mesmo tempo, os
descumprimentos da legislação trabalhista se agravaram e os salários atrasaram.
Foi quando aconteceu a venda do “Hoje em
Dia” para seu atual dono, o ex-prefeito de Montes Claros, médico e empresário
Ruy Muniz. A informação circulava, mas não era confirmada. Em dezembro de 2015,
a Ediminas se desfez da sua gráfica, dispensou seus 78 funcionários e passou a
imprimir o “Hoje em Dia” na gráfica do concorrente “O Tempo”. Os acertos não
foram pagos e, em janeiro, os gráficos invadiram a empresa, em protesto. A
pressão deu resultado: os salários foram pagos, mas a rescisões continuaram
sendo cobradas na justiça.
A notícia do negócio foi publicada pelo
jornal “O Tempo” no dia 24 de fevereiro. De posse do jornal, mas sem se
mostrar, administrando por meio de prepostos, Muniz, que meses depois seria
preso pela Polícia Federal acusado de corrupção, anunciou planos e
investimentos, mas em vez disso, no dia 27 de fevereiro, o jornal, embora
impresso, não circulou, por falta de pagamento à distribuidora. No dia 29 de
fevereiro, no fim do expediente, a empresa dispensou 38 jornalistas. Não pagou
o salário do mês nem o acerto, que até hoje são cobrados na justiça.
Na ação judicial, os jornalistas
tentaram que o edifício sede do jornal se tornasse garantia da dívida
trabalhista, mas descobriram que ele tinha sido vendido por R$ 18 milhões à
J&F, controladora da JBS, em parcelas de R$ 1 milhão, pelos antigos donos,
a família Carneiro. Tentaram embargar o pagamento das parcelas que faltavam,
mas a família Carneiro alegou que o pagamento tinha sido antecipado e todo o
dinheiro já tinha sido recebido. A delação de Joesley Batista esclareceu o que
realmente se passou. Ele revelou à Procuradoria Geral da República que pagou
pela compra do edifício sede do “Hoje em Dia” R$ 17.354.824,75, valor que ele
mesmo considerou superfaturado. O objetivo não era o “predinho”, mas fazer
chegar dinheiro às mãos de Aécio Neves da Cunha, usando como intermediário
Flávio Carneiro.
Joesley revelou também que, meses antes
dessa operação, a J&F pagou ao jornal R$ 2 milhões e 500 mil, a título de
“compra antecipada de publicidade”. É provável que um negócio assim nunca tenha
sido feito antes por um jornal: documento assinado por um diretor do Grupo Bel
e entregue por Joesley à Procuradoria Geral da República atesta a compra de
nada menos do que 365 páginas de publicidade pela JBS.
Segundo Joesley, ele doou ilegalmente um
total de R$ 60 milhões ao senador afastado Aécio Neves da Cunha que seriam
usados na sua campanha presidencial de 2014. Enquanto os mais de 100
trabalhadores do “Hoje em Dia” eram lesados em seus direitos, os proprietários
do jornal usavam a empresa como laranja para fazer circular dinheiro de
corrupção.
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