ALVORADA

O SOL NASCE NO LESTE (VOSTOK) E PÕE-SE NO OESTE (EAST)

Frase

"(...) A história se repete: a primeira vez como tragédia. A segunda e outras vezes como farsa da tragédia anunciada. (...)" Karl Heinrich Marx (05/05/1818-14/03/1883)

Fatos

Gripe espanhola-estadunidense no início do século XX... Coronavírus no início do século XXI... Barragem de rejeitos minerários arrasa Mariana-MG em 05/11/2015... Barragem de rejeitos minerários arrasa Brumadinho-MG em 25/01/2019... Anderson Gomes e Marielle Franco são executados no Rio de Janeiro-RJ em 14/03/2018... Médicos ortopedistas são executados com 30 tiros em 30 segundos em restaurante na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro-RJ... (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...) (...)(...) (...) (...)(...) (...) (...) E por aí vai...

terça-feira, 12 de setembro de 2017

O preconceito ou o conflito Eu X Nós

Já observou o comportamento de uma criança diante de um desconhecido? Ela se aproxima com as mãos dele e o tateia. Sente a pele. Já observou como os bebês se animam quando estão perto de uma negra? Os olhos chegam brilhar. Na física, branca é a cor que reflete todas as outras cores, espalha energia. Preto é a cor que absorve todas as outras cores, absorve energia. Se levarmos para o lado histórico-cultural, o negro sempre teve mais força acumulada para o trabalho escravo que exercia. Constituiu, ao lado dos indígenas, os primeiros exércitos nacionais. Os brancos eram tranquilos. Mandavam e a plebe obedecia.

Já reparou como ficamos diante de uma pessoa estranha que se achega perto de nós para pedir algo nestes tempos pós-modernosos? Armamo-nos de todos os subterfúgios para afastá-la de nosso convívio. E se ela estiver suja, mal vestida, fedida, for negra, mulher, gorda, peituda com muito leite, com dois filhos em cada braço? Ignoramos por completo. Se existe uma pessoa sentada quieta em um canto da rua, já ligamos o sinal de alerta para a possibilidade de ser um bandido, esquecemos que tem muita gente que trabalha à noite como vigia.

Por que a sociedade contemporânea nos faz ter tantos preconceitos? Por qual motivo esse preconceito é maior com as pessoas de menor poder aquisitivo? Cometemos algum crime por estarmos acima dessas pessoas? Somos sociáveis ou anti-sociais nesses casos? Por que diferenciamos as pessoas pelo nível econômico da sua vida ou pela cor da sua pele, ou pelo seu gênero, ou pela sua tatuagem, pela sua roupa, pelo seu brinco, pelo tipo do seu cabelo? O diferente nos assusta tanto assim por andarmos na moda da sociedade capitalista? Estamos na moda padronizada ou etiquetados de marcas?

Com uma injeção letal anestésica, a ideologia dominante da sociedade capitalista aplica pela nossa pele os juízos de valor que necessitamos para viver: em sociedade, em equipe, em família, individualmente? As igrejas estão, a cada dia, mais segmentadas. Guetos se formam a rodo. O ser humano hoje em dia está tão burguês, midiático, intimista, narcisista, racista e preconceituoso que nos dá medo.

O forró universitário se transformou em uma música de fuga da realidade, contudo, é mais sofrência que a própria realidade social. O funk atual faz o homem e a mulher cantarem e dançarem com tamanha violência como se estivessem tomando uma dose de crack ou de cocaína na veia. A vida está tão ruim para precisarmos de tantos energéticos, suplementos alimentares, sustâncias sobrenaturais para sairmos em direção ao mundo metafísico? Onde o ser humano se perdeu que ele está tão perdido? Dói ser fraternal?

Se mencionarmos agora um nome de um compositor de uma música, garantimos que muita gente não vai nem terminar de ler este texto. Por que o rap, o samba-raiz, o forró pé de serra, o rock nacional da gema perderam tantos adeptos? Falar da realidade é ruim? Será? E se a letra da música começar com coloquialismos, aí é que o preconceito se tornará insuportável, como se fôssemos todos professores de português, técnicos de futebol, médicos. E para evitar alguma discussãozinha, ainda tem aquela saideira argumentativa: gosto não se discute ou religião, futebol e política não se misturam. Mas e a qualidade das nossas ideias e dos nossos ideais? Onde foram parar?

“Ainda há tempo” de mudar. Criolo manda bem! “Cê quer saber/Então vou te falar/Porque as pessoas sadias adoecem/Bem alimentadas ou não/Por que perecem?/Tudo está guardado na mente!/O que você quer nem sempre/Condiz com o que o outro sente/Eu tô falando é de atenção/Que dá colo ao coração/e faz marmanjo chorar/Se faltar/Um simples sorriso/Ou às vezes um olhar/E que se vem da pessoa errada/Não conta/A amizade é importante/Mas o amor escancara a tampa/E o que te faz feliz/Também provoca a dor/A cadência do surdo no coro que se forjou/E aliás, cá pra nós, até o mais desandado/Dá um tempo na função quando percebe que é amado/E as pessoas se olham e não se falam/Se esbarram na rua e se maltratam/Usam a desculpa de que nem cristo agradou/Falô, você vai querer mesmo se comparar com o senhor? /As pessoas não são más/Elas só estão perdidas”.

Se até o grande gênio e poeta do samba verdadeiro Angenor de Oliveira (1908-1980), o nosso mestre Cartola, sentiu na pele a dor do preconceito, qualquer um de nós, meros mortais, poderá sentir o mesmo efeito da rejeição. O que precisa ser feito é não reificar e reforçar esses valores nefastos que impedem a construção de uma sociedade totalitária, ou seja, para todas as pessoas. Jogue seus preconceitos e suas idiossincrasias diretamente na lata de lixo, sem direito à reciclagem, porque o amor vencerá!

Preconceito: “Crime, é mais que um crime/É desumanidade, essa perseguição/É o cúmulo da maldade/Se todo mundo sabe que nós nos casaremos, quer queiram, quer não/Oh, maldito preconceito/Afasta-te no ajeito, a que nada conseguirás/Por quê, recebemos dos céus a benção de Jesus, que é mensagem de paz/Nosso amor não acaba mais/Viveremos sempre em paz”.

Cartola nasceu negro e pobre. Trabalhou de pedreiro e de lavador de carros. Enfrentou o preconceito racial e de classe com muita cordialidade. Aprendeu a compor escutando as músicas litúrgicas na porta da igreja católica. Utilizava sempre uma cartola na cabeça, mesmo trabalhando em obras. Foi um dos maiores compositores e cantores da música popular brasileira.

Cartola compôs ou teve um “boi com abóbora” (iluminação) ao fazer a letra da música “Ensaboa mulata”. Na caretice contemporânea em que nos encontramos, provavelmente Cartola seria chamado de racista e machista por causa dessa letra. Mas foi um verdadeiro romântico. “Ensaboa mulata ensaboa/Ensaboa tô ensaboando/Estou lavando a minha roupa/Lá em casa estão me chamando dondó/Ensaboa mulata ensaboa/O fio que é meu/Que é meu e que é dela/Rebenta guéla de tanto chorar/O rio tá seco o sol não vem não/Vortemo prá casa chamando dondó”.

E o que dizer da letra de “Escurinha”? “Escurinha/Tu Tem De Ser Minha/De Qualquer Maneira/Eu Te Dou Meu Barraco/Te Dou Meu Boteco/Que Tenho No Morro De Mangueira/Comigo Não Há Embaraços/Vem Que Eu Te Faço, Meu Amor/A Rainha Da Escola De Samba/Que Teu Preto é Diretor/Quatro Paredes De Barro/Telhado De Zinco/Assoalho No Chão/Só Tu Escurinha/É Quem Está Faltando No Meu Barracão/Sai Disso, Tolinha/Aí Nessa Cozinha Levando A Pior/Lá No Morro Eu Te Ponho No Samba/Te Ensino A Ser Bamba/Te Faço A Maior”.

Para cada momento pessoal e contexto social, Cartola escrevia um “boi com abóbora”. O nascer do sol sempre foi motivo para Cartola ter belas ideias, mesmo em condições materiais adversas. “Alvorada lá no morro/Que beleza/Ninguém chora/Não há tristeza/Ninguém sente dissabor/O sol colorindo é tão lindo/É tão lindo/E a natureza sorrindo/Tingindo, tingindo/A alvorada.../Você também me lembra a alvorada/Quando chega iluminando/Meus caminhos tão sem vida/E o que me resta é bem pouco/Ou quase nada, do que ir assim, vagando/Nesta estrada perdida/ A alvorada...”.

Para Cartola, sempre o sol nascerá. “A sorrir/Eu pretendo levar a vida/Pois chorando/Eu vi a mocidade/Perdida/Fim da tempestade/O sol nascerá/Finda esta saudade/Hei de ter outro alguém para amar/A sorrir/Eu pretendo levar a vida/Pois chorando/Eu vi a mocidade/Perdida”.


Era “a cor da esperança”. “Amanhã,/A tristeza vai transformar-se em alegria,/E o sol vai brilhar no céu de um novo dia,/Vamos sair pelas ruas, pelas ruas da cidade,/Peito aberto,/Cara ao sol da felicidade./E no canto de amor assim,/Sempre vão surgir em mim, novas fantasias,/Sinto vibrando no ar,/E sei que não é vã, a cor da esperança,/A esperança do amanhã”. 

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